madre teresa

Madre Teresa de Calcutá

27 de agosto de 1910

Agnes Gonxha Bojaxhiu nasce em Skoplje (Albânia), irmã mais nova de Ágata e de Lázaro, filha de Nicolau e de Rosa. Foi batizada um dia depois de nascer em 26 de agosto de 1910. A sua família pertencia à minoria albanesa que vivia no sul da antiga Iugoslávia.

Pouco se sabe da sua infância, adolescência e juventude porque Madre Teresa tinha horror de falar de si. Nunca morou na Albânia; foi educada numa escola estatal da atual Croácia, durante os tristes anos da Primeira Guerra Mundial.

Tinha uma voz muito bonita e logo se converteu na solista do coro da igreja da sua aldeia. E até dirigia o coro, lá pelos anos vinte. Freqüentou a escola estatal não católica e ingressou na Congregação Mariana onde foi aperfeiçoando a formação cristã ao mesmo tempo que tomava conhecimento da vida da Igreja e abria o coração às necessidades do mundo. Particular impressão lhe faziam as cartas que os missionários jesuítas da Índia escrevia e que eram comentadas em grupo. A miséria material e espiritual de tanta gente tocava o seu coração.

29 de setembro de 1928

Aos dezoito anos surge-lhe o pensamento da consagração total a Deus na vida religiosa. Obteve o consentimento dos pais, por indicação do sacerdote que a orientava, entrou no dia 29 de Setembro de 1928 para a Casa Mãe das Irmãs de Nossa Senhora de Loreto, em Rathfarnham, perto de Dublin (Irlanda).

24 de Maio de 1931

O seu sonho era a Índia, o trabalho missionário junto dos pobres. Sabedoras desta aspiração da jovem iugoslava, as superioras decidiram que ela fizesse o noviciado já no campo do apostolado. Por isso, ao fim de poucos meses de estadia na Irlanda, Agnes partiu para Índia.

O ideal que brilhara pela primeira vez na sua vida aos doze anos começava a concretizar-se. Foi enviada para Darjeeling, local onde as Irmãs de Loreto possuíam um colégio. Ali fez o noviciado. No dia 24 de Maio de 1931, faz a profissão religiosa, emitiu os votos temporários de pobreza, castidade e obediência tomando o nome de TERESA. Houve na escolha deste nome uma intenção, como ela própria diz: a de se parecer com TERESA DE JESUS , não com a grande santa espanhola, mas com a humilde carmelita de Lisieux que ensinou aos homens do nosso tempo o caminho da infância espiritual.

De Darjeeling passou a Irmã Teresa para Calcutá. Tendo freqüentado uma carreira docente, passa a ensinar Geografia no Colégio de Santa Maria, da Congregação de Nossa Senhora do Loreto, em Calcutá. Mais tarde foi nomeada Diretora. Irmã Teresa gostava de ensinar. As alunas estimavam-na porque era uma excelente professora, sempre dedicada e atenta a todos os problemas. Havia muito humanismo nas suas palavras e atitudes. Embora cercada de menina filhas das melhores família de Calcutá, impressionava-se com o que via quando saia à rua: os bairros de lata com cheiros nauseabundos, crianças, mulheres e velhos famélicos.

24 de Maio de 1937

Faz a profissão perpétua.

10 de Setembro de 1946

O dia 10 de setembro de 1946 ficou marcado na história das Missionárias da Caridade e, obviamente, no livro da vida da Madre Teresa como o “dia da inspiração”. Numa viagem de trem ao noviciado do Himalaia, recebe uma claríssima iluminação interior: dedicar a sua vida aos mais pobres dos pobres. Relatou-o assim: “Em 1946, ia de Calcutá a Darjeeling, de trem, para fazer o meu retiro. Nunca é fácil dormir nos trens, mas tentar fazê-lo num trem da Índia é impossível: tudo range, há um penetrante odor de sujidade pelo amontoamento de homens e animais, todo um detrito de humanidade, cestos, galinhas cacarejando… Naquele trem, aos meus trinta e seis anos, percebi no meu interior uma chamada para que renunciasse a tudo e seguisse Cristo no subúrbios, a fim de servi-lo entre os mais pobres dos pobres. Compreendi que Deus desejava isso de mim…”

Irmã Teresa pensava nos pobres de Calcutá que todas noites morrem pelas ruas e que na manhã seguinte, são lançados para o carro da limpeza como se fossem lixo. Não! Ela não conseguia habituar-se a esse terrível espetáculo de pessoas esqueléticas morrendo de fome ou pedindo esmola pelas ruas.

A longa e dolorosa meditação que fizera terminou com uma pergunta muito concreta: que poderei fazer por estes infelizes? Aqui a angústia da sua alma cresceu. Amava a Congregação, gostava de ensinar… quase nada poderia fazer dentro dos regulamentos a que amorosamente se sujeitara e que cumprira com toda a fidelidade. Mas Deus não pediria mais? Não seria talvez necessários ir ter com as superioras e com as autoridades eclesiásticas e expor-lhes frontalmente o problema, pedir-lhes até autorização para fazer a experiência de se colocar totalmente ao serviço dos mais pobres?

Foi assim, com todas estas interrogações que a Irmã Teresa viveu o seu retiro daquele ano. Na oração e na meditação daqueles dias, mais se confirmou que a aspiração que lhe brotava do fundo da alma não era um capricho mas manifestação da vontade de Deus.

Tendo regressado a Calcutá, foi ter com o arcebispo Mons. Fernando Périer a quem expôs o seu plano. Ele ouviu atentamente e, no fim, calmo, frio, disse um não absoluto que não deixou hipóteses para qualquer dúvida.

A Irmã Teresa aceitou humildemente a recusa. Mais tarde comentá-la-á assim: “Não podia ter sido outra a sua resposta. Um bispo não pode autorizar a primeira religiosa que se lhe apresenta com projetos raros sob pretexto de que essa parece ser a vontade de Deus”.

Voltou às lides diárias que cumpria cada vez com maior dedicação e entusiasmo. O carinho das alunas demonstrado de tantas maneiras e a amizade das companheiras não lhe fizeram esquecer a imagem horrorosa dos doentes e dos famintos que morriam pelas ruas de Calcutá. Mas por vezes, apresentava-se-lhe angustiosa esta pergunta: não será tudo isto uma tentação do demônio?

Um ano depois, foi ter novamente com o arcebispo. Levava nos lábios o mesmo pedido e no coração a mesma disposição para aceitar, com humildade e alegria, a resposta qualquer que ela fosse. Mons. Périer escutou, mais uma vez, as razões da Ir. Teresa. A sua simplicidade, fervor e persistência convenceram-no de que estava perante uma manifestação da vontade de Deus. Por isso, desta vez, mais afável, aconselhou: – Peça primeiro autorização à Madre Superiora. A Irmã Teresa escreveu prontamente uma carta expondo o seu plano. A Superiora viu nessas linhas a expressão da vontade de Deus. O que aquela religiosa pedia era algo muito sério e exigente. Por isso, respondeu-lhe nestes termos: “Se essa é a vontade de Deus, autorizo-te de todo o coração. De qualquer maneira, lembra-te sempre da amizade que todas nós te consagramos. Se algum dia, por qualquer razão, quiseres voltar para o meio de nós, fica sabendo que te receberemos com amor de irmãs.”

Mons. Périer pediu autorização a Roma para Irmã Teresa deixar as Irmãs de Loreto, “para viver só, fora do claustro tendo Deus como único protetor e guia, no meio dos mais pobres de Calcutá.”

12 de Abril de 1948

A resposta de Pio XII chegou no dia 12 de Abril de 1948. Nela se concedia a desejada autorização sublinhando-se que, embora deixando a congregação de Nossa Senhora de Loreto, a Irmã Teresa continuava religiosa sob a obediência do arcebispo de Calcutá.

08 de Agosto de 1948

Só em 08 de Agosto de 1948 ela deixou o colégio de Santa Maria. Custou imenso: a ela, às companheiras, às alunas. Depois dirigiu-se para Patna, para fazer um breve curso de enfermagem que julgava de imensa utilidade para a sua atividade futura.

21 de Dezembro de 1948

Em 21 de dezembro de 1948, obtém a nacionalidade indiana. Data que reunia um grupo de cinco crianças, num bairro imundo, a quem começou a dar escola. Pouco a pouco, o grupo foi aumentando. Dez dias depois eram cerca de cinqüenta.

Tendo abandonado o hábito da Congregação de Loreto, a Irmã Teresa comprou um sari branco, debruado de azul e colocou-lhe no ombro uma pequena cruz. Será o seus novo hábito, o vestido duma modesta mulher indiana.

Com o alfabeto a irmã dava lições de higiene (muitas vezes iniciava a aula lavando a cara aos alunos) e de moral. Depois ia de abrigo em abrigo levando, mais que donativos, palavras amigas e as mãos sempre prestáveis para qualquer trabalho. Não foi preciso muito tempo para que todos a conhecessem. Quando ela passava, crianças famintas e sujas, deficientes, enfermos de todas a espécie gritavam por ela com os olhos inundados de esperança: Madre Teresa! Madre Teresa!

Mas o início foi duro. Ela sentiu a angústia terrível da solidão. Um dia, depois de dar voltas e mais voltas, à procurada duma casa, era preciso um teto para acolher os abandonados, pus-me a caminho para achá-lo. Caminhei e caminhei ininterruptamente, até que já não pude mais. Então compreendi até que ponto de esgotamento têm que chegar os verdadeiros pobres, sempre em busca de um pouco de alimento, de remédio, de tudo. A lembrança da tranqüilidade material de que gozava no convento de Loreto apresentou-se diante mim como uma tentação. E rezei assim:

Meu Deus,

por livre escolha

e por teu amor,

desejo permanecer aqui

e fazer o que a tua vontade

exige de mim.

Não! Não voltarei atrás.

A minha comunidade são os pobres.

A sua segurança é a minha.

A sua saúde é a minha.

A minha casa é a casa dos pobres.

A sua segurança é a minha.

A sua saúde é a minha.

A minha casa é a casa dos pobres:

Não apenas dos pobres

mas dos mais pobres dos pobres.

Daqueles de quem as pessoas

já não querem aproximar-se

com medo contágio e da porcaria

porque estão cobertos

de micróbios e vermes.

Daqueles que não vão rezar,

porque não podem sair nus de casa.

Daqueles que já não comem

porque não têm força para comer.

Daqueles que se deixam cair pelas ruas,

Conscientes de que vão morrer,

e ao lado dos quais

os vivos passam

sem lhes prestar atenção.

Daqueles que já não choram,

porque se lhes esgotaram as lágrimas;

Dos intocáveis.

Há fatos curiosos na vida de Madre Teresa em que podemos ver um sinal da aprovação de Deus à sua obra. Ela mesma conta:

“Era a minha primeira volta pelas ruas de Calcutá depois de ter deixado Loreto e ter regressado de Patna. A certa altura aproximou-se mim um sacerdote pedindo-me um donativo para uma coleta que estava a realizar-se a favor da boa imprensa. Tinha saído de casa com cinco rúpias. Já tinha dado quatro aos pobres. Entreguei-lhe a única rúpia que me restava. ao entardecer, o mesmo sacerdote veio ao meu encontro com um envelope. disse-me que lhe tinha sido dado por um senhor desconhecido que ouvira falar dos meus projetos e me queria ajudar. No envelope vinham cinqüenta rúpias. Naquele momento tive a sensação de que Deus começava a abençoar a minha obra e que nunca me abandonaria.”

19 de Março de 1949

Mas uma outra benção de Deus foram as vocações que começaram a surgir precisamente entre as suas antigas alunas. A primeira foi Shubashini Das. Era uma linda jovem, dotada de bastante inteligência, filha de uma boa família. Disse-lhe: – Madre Teresa, se me aceitar, estou disposta a ficar consigo e a colocar a minha vida ao serviço dos pobres. – Minha filha, pensa melhor, reza mais e, daqui a a algum tempo, vem ter novamente comigo.

Era quase o mesmo conselho que Mons. Périer lhe tinha dado, tempos atrás. a jovem foi, prensou, rezou e no dia 19 de Março de 1949, dia de São José, era aceita na nova Congregação, que começava a surgir, escolhendo como nome para vida religiosa o nome de batismo da sua antiga professora: Agnes. A esta outras se seguiram. Sem qualquer propaganda. Apenas atraídas pelo testemunho daquelas que se chamariam, mais tarde, Missionárias da Caridade.

Madre Teresa conta assim o início da congregação:

“Uma a uma, a partir de 1949, vi chegar jovens que tinham sido minhas alunas. Vinham com o desejo de dar tudo a Deus e tinham pressa em fazê-lo. Despojavam-se, com íntima satisfação, dos seus saris luxuosos para revestir-se do nosso humilde sari de algodão.

Vinham sabendo que se tratava de algo difícil. Quando uma filha das velhas castas se coloca ao serviço dos párias, trata-se de ma revolução. A maior. A mais difícil de todas: a revolução do amor!

Uma vida mais regular começou então para a nossa pequena comunidade. Abrimos escolas enquanto continuávamos a visita aos bairros de lata. As vocações afluíam e a nossa casa tornou-se muito pequena.

Ainda em 1949, começa a escrever as constituições das Missionárias da Caridade, nome que dá à sua Congregação.

… O primeiro trabalho com os doentes e moribundos recolhidos na rua era lavar-lhes o rosto e o corpo. A maior parte não conhecia sequer o sabão e a espuma metia-lhes medo. Se as Irmãs não vissem nestes infelizes o rosto de Cristo, o trabalho tornar-se-lhes-ia impossível.

Nós queremos que eles saibam que há pessoas que os amam verdadeiramente. Aqui eles encontram a sua dignidade de homens e morem num silêncio impressionante… Deus ama o silêncio.

Os pobres não merecem só que os sirvamos, merecem também a alegria e as Irmãs oferecem-na em abundância.

O próprio espírito da nossa congregação é de abandono total, de amor confiante e de alegria… É a nossa regra, para procurarmos “fazer alguma coisa de belo por Deus!”

A lista dos bens das Irmãs é pequena: um prato esmaltado e coberto, dois saris baratíssimos, um jogo de roupa interior grosseira, um par de sandálias, um pedaço de sabão guardado numa caixa de cigarros, um travesseiro e um colchão extremamente delgado, acompanhado de um par de lençóis e, para completar tudo, um balde metálico com o respectivo número.

Assim, com o colchão enrolado debaixo do braço e as restantes coisas colocadas no balde, a Irmã que viaja leva todos os bens consigo.

Ao menor sinal, as Irmãs estão preparadas para partir: “Com um pouco de treino, diz uma delas consigo estar pronta para partir em trinta minutos.”

07 de Outubro de 1950

A Congregação de Madre Teresa, foi aprovada pela Santa Sé em 7 de outubro de 1950.

Agosto de 1952

Em agosto de 1952, abre o lar infantil Sishi Bavan (Casa da Esperança) e inaugura o seu famoso “Lar para Moribundos”, em Kalighat, ao qual dedica as suas melhores energias físicas e espirituais. A partir dessa data, a sua Congregação começa a expandir-se de maneira irresistível pela Índia e por todo o mundo. Na Índia, principia por Ranchi e continua depois por Nova Delhi e Bombaim; nesta cidade, será recebida pelo papa Paulo VI em 1964.

A obra de Madre Teresa cresceu rapidamente. Não trazia esquemas pré-fabricados. O ritmo e as iniciativas eram marcadas pelo inesperado de cada dia.

No ano de 1952 percorria, como de costume, as ruas prestando ajuda aos mais necessitados. de repente, parou diante de um espetáculo horripilante: uma mulher agonizava no meio de escombros, roída pelos ratos pelas formigas.

Madre Teresa aproximou-se e ouviu um queixume em voz muito tênue: E dizer que foi o meu próprio filho que me lançou para aqui!

Recolheu-a e levou-a ao hospital mais próximo. Quando viram aquele semi-cadáver responderam a Madre Teresa:

– Aqui não há lugar para estes casos! Não podemos aceitar essa mulher!

– Pois eu não sairei daqui enquanto vós a não receberdes.

A mulher entrou mas morreu pouco depois.

De regresso a casa, Madre Teresa pensou na sorte dos moribundos que todos dias morrem pelas ruas de Calcutá sem ninguém lhes prestar assistência. A imprensa tinha abordado este problema precisamente naqueles dias.

Madre Teresa aproveitou a oportunidade e disse à autoridades:

– Dêem-me um local que eu encarrego-me de tratar dos moribundos.

Deram-lhe duas grandes salas de um edifício contíguo ao templo da deusa Kali denominado “Casa do Peregrino” porque servia de dormitório aos peregrinos. ela mudou-lhe o nome. Chamou-lhe “Casa do Moribundo.”

Os bonzos não levaram a bem esta entrega duma dependência sagrada a uma mulher católica. Consideraram-na uma profanação. Resolveram, por isso, encarregar um de espiar todos os movimentos da religiosa e de, no momento oportuno, desfazer-se dela. Tendo conhecimento deste plano, Madre Teresa apresentou-se ao chefe e disse-lhe:

– Se querem matar-me, matem-me agora mesmo, mas não façam mal aos meus pobres moribundos.

Ele ficou surpreendido com a atitude valorosa desta mulher que veio confirmar as boas informações já dadas pelo espião: – Observei com todo o cuidado a ação daquela mulher e a minha impressão foi de que, ao olhar para ela, me pareceu ver a própria deusa Kali em ação. Não façais, portanto, mal a essa mulher. Pouco a pouco, os bonzos tornaram-se seus amigos. Para isso contribuiu muito um fato que a própria Madre Teresa conta assim: – “Um desses bonzos contraiu a tuberculose. Nenhum hospital o teria recebido. Nós fizemos todo o possível para o curar. Os seus companheiros vinham vê-lo. Ao princípio blasfemava contra Deus levado pelo desespero da sua doença. Da nossa parte não nos poupávamos a esforços para lhe sermos agradáveis e minorar a suas dores.

Pouco a pouco, a sua atitude foi mudando. Chegou até a pedir a benção antes da morte que foi muito serena. Os seus companheiros não conseguiam explicar o que tinha acontecido.

Depois disto, os sacerdotes da deusa Kali nunca deixaram de demonstrar-nos a sua amizade e até de dar-nos a sua colaboração, em muitos casos…”

Abril de 1953

Na catedral do Santíssimo rosário, as primeiras Missionárias da Caridade fazem os seu votos religiosos.

01 de fevereiro de 1965

A ordem é aprovada pela Santa sé; e, com a proteção da aprovação pontifícia, estende-se por toda a Índia. Ainda em 1965, funda no dia 26 de Julho a sua primeira casa na América Latina, concretamente na Venezuela, na arquidiocese de barquisimeto, em 1967, abre outra no próprio coração da cristandade, em Roma, por desejo expresso de Paulo VI; mais adiante, João Paulo II dar-lhe-á de presente uma casa dentro do próprio Vaticano.

22 de Agosto de 1968

A partir desta data, a Congregação estende-se por outras regiões: Ceilão, Itália, Austrália, Bangladesh, Ilhas Maurícias, Peru, Canadá, etc.

8 de Dezembro de 1970

As Missionárias da caridade abrem a sua primeira casa em Londres e fixam aí o aspirantado e noviciado para a Europa e América.

1973

Em 1973, abre uma casa em gaza, na Palestina, para atender os refugiados, e e celebra a primeira Assembléia Internacional dos colaboradores das Missionárias da caridade, instituição cujos estatutos tinha sido aprovados em 1969, e que reúne centenas de milhares de pessoas de todo o mundo: 50.000 leigos, aos quais é preciso acrescentar todos os doentes e todos os que sofrem e oferecem a sua dor pelas intenções da Madre Teresa.

15 de junho de 1976

Em 15 de junho de 1976, precisamente em Nova York, que era, no entender dela, o lugar mais necessitado de oração, funda o ramo contemplativo das Missionárias da Caridade. E em dezembro de 1976, inaugura centros de assistência no México e Guatemala.

17 de Outubro de 1979

Recebe o Prêmio Nobel da Paz. Ainda em 1979, João Paulo II recebe-a em audiência privada e ela converte-se, sem nunca ter estudado diplomacia, na melhor “embaixadora” do Papa em todas as nações, fóruns e assembléias do universo.

28 de Junho de 1980

Skoplje nomeia-a “Cidadã Ilustre”. Muitas universidades lhe conferiram o título “Honoris Causa”. E ainda em 1980, recebe a Ordem “Distinguished Public Service Award” nos EUA.

1981

Em 1981, inaugura em Berlim oriental a primeira das suas fundações em países submetidos ao marxismo. Anos mais tarde, será recebida por Mikhail Gorbachov e abrirá uma casa na Rússia. E o mesmo fará em Cuba.

1983

Em 1983, estando em Roma, sofre o primeiro grave ataque do coração. Tinha 73 anos. Foi muito bem atendida e o médico disse-lhe: “A senhora tem coração para mais trinta anos” Tomou isso ao pé da letra e nem febre alta a fazia descansar.

1985

Em setembro de 1985, é reeleita Superiora das Missionárias da Caridade pelo Capítulo geral da Congregação. Só outra Irmã, Sor Josepha Michael, viu o seu nome escrito num dos votos: o que fora depositado na urna eleitoral pela Madre Teresa… Os outros 66 foram unânimes. Nesse mesmo ano, recebe do Presidente Reagan, na Casa Branca, a Medalha presidencial da Liberdade, a mais alta condecoração do país mais poderoso da terra . Participa de Sínodos, como o de 1986, e dos atos do Ano Mariano de 1987 e do Ano Santo da Redenção, bem como das viagens papais.

Agosto de 1987

Em agosto de 1987, vai à União Soviética e é condecorada com a Medalha de ouro do Comitê soviético da Paz. Pouco depois, visita a China e a Coréia.

Agosto de 1989

Em agosto de 1989, realiza um dos seus sonhos: abrir uma casa na sua Albânia natal que, apesar de ser um dos países mais pobres, injustos e atrasados do planeta, até há pouco fazia gala de ser o país mais ateu do mundo, o único em cuja Constituição figurava paradoxalmente o ateísmo como “religião do estado”.

Setembro de 1989

Em setembro de 1989, sofre o seu segundo ataque do coração e corre sério risco de vida, mas recupera-se e retoma o seu incrível trabalho com mais ardor e vigor do que antes, apesar do marcapasso.

1990

Em 1990, pede ao Papa para ser substituída no seu cargo, mas volta ser reeleita por outros seis anos, até 1996, e o Papa torna a confirmá-la – Já o fizera outra vez antes – como Superiora das Missionárias da Caridade.

05 de Setembro de 1997 (Sua morte)

A Madre Teresa nunca perdia uma oportunidade para levar todos aqueles com quem se cruzava, independentemente da sua origem, da sua posição social ou da sua religião, a encontrar-se com Cristo.

– “Vamos, primeiro, cumprimentar o dono da casa”. Era com essa frase simples que costumava receber a maior parte das personalidades – por exemplo, o então Primeiro-Ministro Nehru -, que vinham conhecer a casa das Missionárias da Caridade, dirigindo-as resolutamente à capela do Santíssimo Sacramento.

No dia 05 de setembro de 1997, depois de sofrer uma última parada cardíaca, foi a vez de ela poder encontrar-se, desta vez definitivamente, com o Dono e Senhor da sua alma.

Uma fila de quilômetros formou-se durante dias a fio, diante da igreja de São Tomé, em Calcutá, onde o seu corpo estava sendo velado. Ao fim de uma semana, como muitos milhares de pessoas ainda queriam dizer-lhe o último adeus, o corpo da Madre foi transladado ao Estádio Netaji, onde o cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado do Vaticano, celebrou a Missa de corpo presente. O mesmo veículo que, em 1948, transportara o corpo do Mahatma Gandhi foi utilizado para realizar o cortejo fúnebre da Mãe dos pobres.

leon denis

Léon Denis

Denis nasceu numa aldeia chamada Foug, situada nos arredores de Tours, em França, a 1 de Janeiro de 1846, numa família humilde.

Cedo conheceu, por necessidade, os trabalhos manuais e os pesados encargos da família. Não era seu hábito desperdiçar um minuto sequer de seu tempo, com distrações frívolas, às quais a maior parte dos homens recorre para matar as horas.

Desde os seus primeiros passos neste mundo, sentiu que os amigos invisíveis o auxiliavam. Ao invés de participar em brincadeiras próprias da juventude, procurava instruir-se o mais possível. Lia obras sérias, conseguindo assim, com esforço próprio desenvolver a sua inteligência. Tornou-se um autodidata sério e competente. Aos 12 anos concluiu o curso primário, mas a situação modesta da sua família não lhe permitiu grandes estudos. Desde cedo teve problemas de saúde física: com os olhos principalmente. Aos 16 anos salientou-se como um dos melhores oradores e ardente propagandista.

Aos 18 anos tornou-se representante comercial da empresa onde trabalhava, fato que o obrigava a viagens constantes, situação que se manteve até à sua reforma e manteve ainda depois por mais algum tempo. Adorava a música e sempre que podia assistia a uma ópera ou concerto. Gostava de dedilhar, ao piano, árias conhecidas e de tirar acordes para seu próprio devaneio.

Não fumava, era quase exclusivamente vegetariano e não fazia uso de bebidas fermentadas. Encontrava na água a sua bebida ideal.

Era seu hábito olhar, com interesse, para os livros expostos nas livrarias. Um dia, ainda com 18 anos, o chamado acaso fez com que a sua atenção fosse despertada para uma obra de título inusitado. Esse livro era “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec. Dispondo do dinheiro necessário, comprou-o e, recolhendo-se imediatamente ao lar, recolhendo-se imediatamente ao lar, entregou-se com avidez à leitura. O próprio Denis disse: “Nele encontrei a solução clara, completa e lógica, acerca do problema universal. A minha convicção tornou-se firme. A teoria espírita dissipou a minha indiferença e as minhas dúvidas”. O seu espírito, nessa hora, sentiu-se sacudido em face dos compromissos assumidos no Espaço, para iniciar, em breve, o trabalho de propagação das verdades Kardecianas. “Como tantos outros” – disse ele – “procurava provas, fatos precisos, de modo a apoiar a minha fé, mas esses fatos demoraram muito a chegar. A princípio insignificantes, contraditórios, mesclados de fraudes e mistificações, que não me satisfizeram, aponto de, por vezes, pensar em não mais prosseguir as minhas investigações. Mas, sustentado, como estava, por uma teoria sólida e de princípios elevados, não desanimei. Parece que o invisível deseja experimentar-nos, medir o nosso grau de perseverança, exigir certa maturidade de espírito antes de entregar-nos aos seus segredos”.

Encontrava-se nos seus trabalhos de experimentações, quando importante acontecimento se verificou na sua vida: Allan Kardec viera passar alguns dias na pacata cidade de Tours, com seus amigos. Todos os espíritas turenses foram convidados a recebê-lo e a saudá-lo. As viagens eram para ele uma fonte de alegria e de aprendizado. Em França e no estrangeiro aproveitava as oportunidades que poderiam enriquecer materialmente o patrão sem desprezar tudo o que poderia contribuir para o conhecimento próprio. Interessavam-lhe as praças, os monumentos, o povo, os hábitos, os costumes e a meditação entre os velhos caminhos das montanhas. Delicia-se com os bosques, com os rios e os lagos. Estas longas horas de meditação solitária no seio da Natureza conduziram-no a uma mais completa compreensão de Deus. Em 1880, pelas cidades e vilas que percorria, por força dos seus afazeres profissionais, pronunciava conferências e fundava círculos e bibliotecas populares. É incalculável o número de conferências por ele proferidas em França, no propósito de propagar a “Liga de Ensino”, fundada por Jean Macé. Na Argélia, onde esteve várias vezes em serviço, também desenvolveu uma intensa actividade de divulgação doutrinária.

O ano de 1882 marca, em realidade, o início do seu apostolado, durante o qual teve que enfrentar sucessivos obstáculos: o materialismo e o positivismo que olham para o Espiritismo com ironia e risadas e os crentes das demais correntes religiosas, que não hesitam em aliar-se aos ateus, para o ridicularizar e enfraquecer. Léon Denis porém, como bom paladino, enfrenta a tempestade. Os companheiros invisíveis colocam-se ao seu lado para o encorajar e exortá-lo à luta. “Coragem, amigo” – diz-lhe o espírito de Jeanne – “estaremos sempre contigo para te sustentar e inspirar. Jamais estarás só. Meios ser-te-ão dados, em tempo, para bem cumprires a tua obra”.

A 2 de Novembro de 1882, dia de Finados, um evento de capital importância produziu-se na sua vida: a manifestação, pela primeira vez, daquele Espírito que, durante meio século, havia de ser o seu guia, o seu melhor amigo, o seu pai espiritual – Jerónimo de Praga – que lhe disse: “Vai meu filho. Pela estrada aberta diante de ti. Caminharei atrás de ti para te sustentar”. E como Léon Denis indagasse se o seu estado de saúde o permitiria estar à altura da tarefa, recebeu esta outra afirmativa: “Coragem, a recompensa será mais bela.”

A partir de 1884, achou conveniente fazer palestras visando à maior difusão das idéias espíritas. Escreveu, em 1885, o trabalho “O Porquê da Vida”, no qual explica, com nitidez e simplicidade, o que é o espiritismo.

Em 1892, recebeu um convite da duquesa de Pomar, para falar de espiritismo na sua residência, numa dessas manhãs célebres, em que se reunia quase toda a Paris. Ele ficou indeciso e temeroso. Depois de muito meditar as responsabilidades, aceitou o convite. “Le Journal” de Paris publicou, acerca da reunião na casa da duquesa, a seguinte notícia: “A reunião de ontem, para ouvir a conferência de Léon Denis sobre a Doutrina Espírita, foi uma das mais elegantes. De uma eloquência muito literária, o orador soube encantar o numeroso auditório, falando-lhe do destino da alma, que pode, diz ele, reencarnar até à sua perfeita depuração. Ele possui a alma de um Bossuet e soube criar um entusiasmo espiritualista”.

O êxito do seu livro “Depois da Morte” situara-o como escritor de primeira ordem. Os grandes jornais e revistas eclécticas solicitavam-no e as tiragens sucessivas desse livro esgotavam-se rapidamente.

A principal obra literária de Denis foi a concernente ao Espiritismo, mas escreveu, outros sim, segundo o testemunho de Henri Sausse, várias outras, como: Tunísia, Progresso, Ilha de Sardenha, etc., certamente fruto das suas memórias de viagem. A partir de 1910, a visão de Léon Denis foi, dia a dia, enfraquecendo. A operação a que se submetera, dois anos antes, não lhe proporcionara nenhuma melhora, mas suportava, com calma e resignação, a marcha implacável desse mal que o castigava desde a juventude. Aceitava tudo com estoicismo e resignação. Jamais o viram queixar-se. Todavia, bem podemos avaliar quão grande devia ser o seu sofrimento.

Mantinha volumosa correspondência. jamais se aborrecia. Amava a juventude, possuía a alegria da alma. Era inimigo da tristeza. O mal físico, para ele, devia ser bem menor do que a angústia que experimentava pelo facto de não mais poder manejar a pena. Secretárias ocasionais substituíam-no nesse ofício. No entanto, a grande dificuldade para Denis, consistia em rever e corrigir as novas edições dos seus livros e dos seus escritos. Graças, porém, ao seu espírito de ordem e à sua incomparável memória, superava todos esses contratempos, sem molestar ou importunar os amigos.

Depois da morte da sua genitora, uma empregada cuidava da sua pequena habitação. Ele só exigia uma coisa: o absoluto respeito às suas numerosas notas manuscritas, as quais ele arrumava com meticulosa precaução. E foi justamente por causa dessa sua velha mania que a duquesa de Pomar o denominara “o homem dos pequenos papéis”.

Em 1911, após despender não pequeno esforço, no preparo da nova edição d’ “O Problema do Ser, do destino e da Dor”, ficou gravemente doente com uma pneumonia; foi o tratamento adotado pelo seu médico que, num curto espaço de tempo, o colocou de novo em pé. Contudo uma grande e profunda dor lhe estava reservada: veio a Guerra de 1914-18 e o seu espírito Condoia-se ao ver partir para a frente de batalha a maioria dos seus amigos.

Léon padecia, então, de uma doença intestinal e estava parcialmente cego. Pela incorporação, os seus amigos do Espaço e, entre eles, um Espírito eminente, comunicavam-lhe, de tempos em tempos, as suas opiniões sobre essa terrível guerra, considerada nos seus dois aspectos: o visível e o oculto. Estas comunicações levaram-no a escrever um certo número de artigos, publicados na “Revue Spirite”, na “Revue Suisse des Sciences Psychiques” e no “Echo Fid”, onde transparece, dentro da lei de causa e efeito, o seu grande amor pela terra onde nasceu.

Quando a Guerra se aproximava do fim, a “Revue Spirite” passou a publicar, em todos os seus números, artigos de Léon Denis.

Após a 1ª Grande Guerra, aprendeu braille, o que lhe permitiu fixar no papel os elementos de capítulos ou artigos que lhe vinham ao espírito, pois, nesta época da sua vida, estava, por assim dizer, quase cego.

Em 1915 iniciava ele uma nova série de artigos, repassados de poesia profunda e serena,sobre a voz das coisas, preconizando o retorno à Natureza. Nesta época, um forte vento soprava contra o Kardecismo. O fenomenismo metapsiquista espalhava aos quatro ventos a doutrina do filósofo puro. P. Heuzé fazia muito barulho através do “L’ Opinion”, com as suas entrevistas e comentários tendenciosos. Afirmava, prematuramente, que, à medida que a metapsíquica fosse avançando, o Espiritismo iria, a par e passo, perdendo terreno. A sua profecia, no entanto, ainda não se realizou. Após a vigorosa resposta de Jean Meyer na “Revue Spirite”, Léon Denis por sua vez, entrou na discussão, na qualidade de presidente de honra da União Espírita Francesa, numa carta endereçada ao “Matin”, na qual estabelecia, com admirável nitidez, a diferença entre Espiritismo e Metapsiquismo. A partir desse momento, Léon Denis teve que exercer grande atividade jornalística para responder às críticas e ataques de altos membros da Igreja Católica, saindo-se, como era de esperar, de maneira brilhante.

Em Março de 1927, com 81 anos de idade, terminara o manuscrito que intitulou de “O Génio Céltico e o Mundo Invisível”. Neste mesmo mês a “Revue Spirite” publicava o seu derradeiro artigo.

Terça-feira, 12 de Março de 1927 pelas 13 horas, respirava Denis com grande dificuldade. A pneumonia atacava-o novamente. A vida parecia abandoná-lo, mas o seu estado de lucidez era perfeito. As suas últimas palavras, pronunciadas com extraordinária calma, apesar da muita dificuldade, foram dirigidas à sua empregada Georgette: “É preciso terminar, resumir e… concluir”. Fazia alusão ao prefácio da nova edição biográfica de Kardec. Neste preciso momento, faltaram-lhe completamente as forças, para que pudesse articular outras palavras. Às 21.00 horas o seu espírito alou-se. O seu semblante parecia ainda em êxtase.

As cerimônias fúnebres realizaram-se a 16 de Abril. A seu pedido, o enterro foi modesto e sem o ofício de qualquer Igreja confessional. Está sepultado no cemitério de La Salle, em Tours.

Texto de José Basílio, baseado no livro “Páginas de Léon Denis” de Sylvio Brito Soares

allan kardec

Allan Kardec

Nascido em Lion, a 3 de outubro de 1804, de uma família antiga que se distinguiu na magistratura e na advocacia, Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail) não seguiu essas carreiras. Desde a primeira juventude, sentiu-se inclinado ao estudo das ciências e da filosofia. Educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdun (Suíça), tornou-se um dos mais eminentes discípulos desse célebre professor e um dos zelosos propagandistas do seu sistema de educação, que tão grande influência exerceu sobre a reforma do ensino na França e na Alemanha.

Dotado de notável inteligência e atraído para o ensino, pelo seu caráter e pelas suas aptidões especiais, já aos catorze anos ensinava o que sabia àqueles dos seus condiscípulos que haviam aprendido menos do que ele. Foi nessa escola que lhe desabrocharam as idéias que mais tarde o colocariam na classe dos homens progressistas e dos livre-pensadores.

Nascido sob a religião católica, mas educado num país protestante, os atos de intolerância que por isso teve de suportar, no tocante a essa circunstância, cedo o levaram a conceber a idéia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silêncio durante longos anos com o intuito de alcançar a unificação das crenças. Faltava-lhe, porém, o elemento indispensável à solução desse grande problema. O Espiritismo veio, a seu tempo, imprimir-lhe especial direção aos trabalhos.

Concluídos seus estudos, voltou para a França. Conhecendo a fundo a língua alemã, traduzia para a Alemanha diferentes obras de educação e de moral e, o que é muito característico, as obras de Fénelon, que o tinham seduzido de modo particular. Era membro de várias sociedades sábias, entre outras, da Academia Real de Arras, que, em o concurso de 1831, lhe premiou uma notável memória sobre a seguinte questão: Qual o sistema de estudos mais de harmonia com as necessidades da época?

De 1835 a 1840, fundou, em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de Química, Física, Anatomia comparada, Astronomia, etc., empresa digna de encômios em todos os tempos, mas, sobretudo, numa época em que só um número muito reduzido de inteligências ousava enveredar por esse caminho. Preocupado sempre com o tornar atraentes e interessantes os sistemas de educação, inventou, ao mesmo tempo, um método engenhoso de ensinar a contar e um quadro mnemônico da História de França, tendo por objetivo fixar na memória as datas dos acontecimentos de maior relevo e as descobertas que iluminaram cada reinado.

Entre as suas numerosas obras de educação, citaremos as seguintes: Plano proposto para melhoramento da Instrução pública (1828); Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método Pestalozzi, para uso dos professores e das mães de família (1824); Gramática francesa clássica (1831); Manual dos exames para os títulos de capacidade; Soluções racionais das questões e problemas de Aritmética e de Geometria (1846); Catecismo gramatical da língua francesa (1848); Programa dos cursos usuais de Química, Física, Astronomia, Fisiologia, que ele professava no Liceu Polimático; Ditados normais dos exames da Municipalidade e da Sorbona, seguidos de Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas (1849), obra muito apreciada na época do seu aparecimento e da qual ainda recentemente eram tiradas novas edições.

Antes que o Espiritismo lhe popularizasse o pseudônimo de Allan Kardec, já ele se ilustrara, como se vê, por meio de trabalhos de natureza muito diferente, porém tendo todos, como objetivo, esclarecer as massas e prendê-las melhor às respectivas famílias e países. Pelo ano de 1855, posta em foco a questão das manifestações dos Espíritos, Allan Kardec se entregou a observações perseverantes sobre esse fenômeno, cogitando principalmente de lhe deduzir as conseqüências filosóficas.

Entreviu, desde logo, o princípio de novas leis naturais: as que regem as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Reconheceu, na ação deste último, uma das forças da Natureza, cujo conhecimento haveria de lançar luz sobre uma imensidade de problemas tidos por insolúveis, e lhe compreendeu o alcance, do ponto de vista religioso. Suas obras principais sobre esta matéria são: O Livro dos Espíritos, referente à parte filosófica, e cuja primeira edição apareceu a 18 de abril de 1857; O Livro dos Médiuns, relativo à parte experimental e científica (janeiro de 1861); O Evangelho segundo o Espiritismo, concernente à parte moral (abril de 1864); O Céu e o Inferno, ou A justiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A Gênese, os Milagres e as Predições (janeiro de 1868); A Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, periódico mensal começado a 1º de janeiro de 1858.

Fundou em Paris, a 1º de abril de 1858, a primeira Sociedade espírita regularmente constituída, sob a denominação de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cujo fim exclusivo era o estudo de quanto possa contribuir para o progresso da nova ciência. Allan Kardec se defendeu, com inteiro fundamento, de coisa alguma haver escrito debaixo da influência de idéias preconcebidas ou sistemáticas. Homem de caráter frio e calmo, observou os fatos e de suas observações deduziu as leis que os regem. Foi o primeiro a apresentar a teoria relativa a tais fatos e a formar com eles um corpo de doutrina, metódico e regular. Demonstrando que os fatos erroneamente qualificados de sobrenaturais se acham submetidos a leis, ele os incluiu na ordem dos fenômenos da Natureza, destruindo assim o último refúgio do maravilhoso e um dos elementos da superstição.

Durante os primeiros anos em que se tratou de fenômenos espíritas, estes constituíram antes objeto de curiosidade, do que de meditações sérias. O Livro dos Espíritos fez com que o assunto fosse considerado sob aspecto muito diverso. Abandonaram-se as mesas girantes, que tinham sido apenas um prelúdio, e começou-se a atentar na doutrina, que abrange todas as questões de interesse para a Humanidade. Desde o aparecimento de O Livro dos Espíritos e a fundação de Espiritismo que, até então, só contara com elementos esparsos, sem coordenação, e cujo alcance nem toda gente pudera apreender. A partir daquele momento, a doutrina prendeu a atenção de homens sérios e tomou rápido desenvolvimento. Em poucos anos, aquelas idéias conquistaram numerosos aderentes em todas as camadas sociais e em todos os países. Esse êxito sem precedentes decorreu sem dúvida da simpatia que tais idéias despertaram, mas também é devido, em grande parte, à clareza com que foram expostas e que é um dos característicos dos escritos de Allan Kardec.

Evitando as fórmulas abstratas da Metafísica, ele soube fazer que todos o lessem sem fadiga, condição essencial à vulgarização de uma idéia. Sobre todos os pontos controversos, sua argumentação, de cerrada lógica, poucas ensanchas oferece à refutação e predispõe à convicção. As provas materiais que o Espiritismo apresenta da existência da alma e da vida futura tendem a destruir as idéias materialistas e panteístas. Um dos princípios mais fecundos dessa doutrina e que deriva do precedente é o da pluralidade das existências, já entrevisto por uma multidão de filósofos antigos e modernos e, nestes últimos tempos, por João Reynaud, Carlos Fourier, Eugênio Sue e outros. Conservara-se, todavia, em estado de hipótese e de sistema, enquanto o Espiritismo lhe demonstrara a realidade e prova que nesse princípio reside um dos atributos essenciais da Humanidade. Dele promana a explicação de todas as aparentes anomalias da vida humana, de todas as desigualdades intelectuais, morais e sociais, facultando ao homem saber donde vem, para onde vai, para que fim se acha na Terra e por que aí sofre.

As idéias inatas se explicam pelos conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores; a marcha dos povos e da Humanidade, pela ação dos homens dos tempos idos e que revivem, depois de terem progredido; as simpatias e antipatias, pela natureza das relações anteriores. Essas relações, que religam a grande família humana de todas as épocas, dão por base, aos grandes princípios de fraternidade, de igualdade, de liberdade e de solidariedade universal, as próprias leis da Natureza e não mais uma simples teoria. Em vez do postulado: Fora da Igreja não há salvação, que alimenta a separação e a animosidade entre as diferentes seitas religiosas e que há feito correr tanto sangue, o Espiritismo tem como divisa: Fora da Caridade não há salvação, isto é, a igualdade entre os homens perante Deus, a tolerância, a liberdade de consciência e a benevolência mútua. Em vez da fé cega, que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inabalável, senão a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade. A fé, uma base se faz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se tem de crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se e exige a abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio.

Trabalhador infatigável, sempre o primeiro a tomar da obra e o último a deixá-la, Allan Kardec sucumbiu, a 31 de março de 1869, quando se preparava para uma mudança de local, imposta pela extensão considerável de suas múltiplas ocupações. Diversas obras que ele estava quase a terminar, ou que aguardavam oportunidade para vir a lume, demonstrarão um dia, ainda mais, a extensão e o poder das suas concepções. Morreu conforme viveu: trabalhando. Sofria, desde longos anos, de uma enfermidade do coração, que só podia ser combatida por meio do repouso intelectual e pequena atividade material.

Consagrado, porém, todo inteiro à sua obra, recusava-se a tudo o que pudesse absorver um só que fosse de seus instantes, à custa das suas ocupações prediletas. Deu-se com ele o que se dá com todas as almas de forte têmpera: a lâmina gastou a bainha. O corpo se lhe entorpecia e se recusava aos serviços que o Espírito lhe reclamava, enquanto este último, cada vez mais vivo, mais enérgico, mais fecundo, ia sempre alargando o círculo de sua atividade. Nessa luta desigual não podia a matéria resistir eternamente. Acabou sendo vencida: rompeu-se o aneurisma e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem houve de menos na Terra; mas, um grande nome tomava lugar entre os que ilustraram este século; um grande Espírito fora retemperar-se no Infinito, onde todos os que ele consolara e esclarecera lhe aguardavam impacientemente a volta! A morte, dizia, faz pouco tempo, redobra os seus golpes nas fileiras ilustres!… A quem virá ela agora libertar? Ele foi, como tantos outros, recobrar-se no Espaço, procurar elementos novos para restaurar o seu organismo gasto por um vida de incessantes labores. Partiu com os que serão os fanais da nova geração, para voltar em breve com eles a continuar e acabar a obra deixada em dedicadas mãos.

O homem já aqui não está; a alma, porém, permanecerá entre nós. Será um protetor seguro, uma luz a mais, um trabalhador incansável que as falanges do Espaço conquistaram. Como na Terra, sem ferir a quem quer que seja, ele fará que cada um lhe ouça os conselhos oportunos; abrandará o zelo prematuro dos ardorosos, amparará os sinceros e os desinteressados e estimulará os mornos. Vê agora e sabe tudo o que ainda há pouco previa! Já não está sujeito às incertezas, nem aos desfalecimentos e nos fará partilhar da sua convicção, fazendo-nos tocar com o dedo a meta, apontando-nos o caminho, naquela linguagem clara, precisa, que o tornou aureolado nos anais literários. Já não existe o homem, repetimo-lo. Entretanto, Allan Kardec é imortal e a sua memória, seus trabalhos, seu Espírito estarão sempre com os que empunharem forte e vigorosamente o estandarte que ele soube sempre fazer respeitado.

Uma individualidade pujante constituiu a obra. Era o guia e o fanal de todos. Na Terra, a obra subsistirá o obreiro. Os crentes não se congregarão em torno de Allan Kardec; congregar-se-ão em torno do Espiritismo, tal como ele o estruturou e, com os seus conselhos, sua influência, avançaremos, a passos firmes, para as fases ditosas prometidas à Humanidade regenerada. (Extraído de “Obras Póstumas” de Allan Kardec.)

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Joanna de Ângelis

São bem escassaz as informações sobre a situação atual de Joanna de Ângelis na espiritualidade. Sabemos que trata-se de um Espírito de elevadíssimas aquisições espirituais e que possui profundas raízes literárias e poéticas, como podemos perceber em encarnações anteriores e através de seus livros.

Poucas pessoas sabem, mas Joanna de Ângelis integrou a equipe do Espírito de Verdade quando do trabalho de implantação da Doutrina Consoladora em nosso plano. No livro “Após a Tempestade”, em sua última mensagem, Joanna faz uma referência a esta tarefa nos seguintes termos:

“Quando se preparavam os dias da Codificação Espírita, quando se convocavam trabalhadores dispostos à luta, quando se anunciavam as horas preditas, quando se arregimentavam seareiros para Terra, escutamos o convite celeste e nos apressamos a oferecer nossas parcas forças, quanto nós mesmos, a fim de servir, na ínfima condição de sulcadores do solo onde deveriam cair as sementes de luz do Evangelho do Reino.”

Após a compilação e organização magistralmente elaborada por Allan Kardec, chegaram à edição final de O Evangelho Segundo o Espiritismo duas mensagens de Joanna de Ângelis, modestamente assinadas como “Um Espírito Amigo”:

No Cap. IX, item 7, intitulada “A Paciência”, psicografada em Havre, 1862;

No Cap. XVIII, itens 13 e 15, intitulada “Dar-se-á Àquele que Tem”, na cidade de Bordéus, também em 1862.

Quanto às suas encarnações passadas, as informações que a espiritualidade e o próprio Espírito nos permitem tomar conhecimento ainda são um pouco vagas.

Dentre todas as encarnações de Joanna de Ângelis, foram permitidas a divulgação aqui em nosso plano de apenas quatro, todas marcadas pelo seu exemplo de pungente de humildade e heroísmo:

Joana de Cusa, nos tempos de Cristo;

nome ainda desconhecido, Itália nos tempos de Francisco de Assis;

Sóror Juana Inés de La Cruz, México do século XVII ;

Joana Angélica de Jesus, Brasil do século XIX;

JOANA DE CUSA

Joana era esposa de Cusa, procurador de Herodes Ântipas, o Tetrarca, governador da Galiléia nos tempos de Jesus. Seu esposo não compartilhava de sua fé naquele Homem especial, e portanto, tornou-se fonte de infortúnios e sofrimentos para Joana.

Buscou no Mestre orientações de como proceder frente a seu embate doméstico, ao que ouviu que, ao invés de segui-lO, deverira servi-lO dentro do próprio lar, tornando-se um exemplo de vivência cristã, no atendimento àquele a quem a Providência Divina lhe concedeu a oportunidade de compartilhar a existência terrena: seu esposo.

Mais tarde, tornou-se mãe. Com o passar do tempo, as atribuições foram se avolumando. O esposo, após uma vida tumultuada e inditosa, faleceu, deixando Joana sem recursos e com o filho para criar. Corajosa, buscou trabalhar.

Esquecendo o conforto da nobreza material, dedicou-se aos filhos de outras mães, ocupou-se com os mais subalternos afazeres domésticos, para que seu filhinho tivesse pão. Trabalhou até a velhice. Já idosa, com os cabelos embranquecidos, foi levada ao circo dos martírios, juntamente com o filho moço, para testemunhar o amor por Jesus, o Mestre que havia iluminado a sua vida acenando-lhe com esperanças de um amanhã feliz.

Foi imolada em Roma, no Coliseu, a 27 de Agosto do ano de 68, por não renunciar à sua fé em Jesus, sendo então sacrificada numa fogueira junto a seu filho.

Temos conhecimento, até o presente momento, de três referências literárias existentes sobre Joana de Cusa: duas do evangelista Lucas, e uma do autor espiritual Humberto de Campos, em sua obra Boa Nova.

Na primeira referência, cap 8:2, 3, Lucas relata que Joana foi uma das mulheres seguidoras de Jesus, e que fora curada por Ele, junto com Maria Madalena, Suzana e muitas outras. Na segunda, cap. 24:10, Joana é mencionada entre as mulheres que na manhã de Páscoa encontraram vazio o sepulcro de Jesus.

O Espírito Humberto de Campos, através da mediunidade de Chico Xavier, nos oferece uma excelente fonte de informações sobre Joana de Cusa no capítulo 15 do livro Boa Nova. Veja aqui a transcrição completa do capítulo.

UMA DISCÍPULA DE FRANCISCO DE ASSIS

Francisco de Assis é um dos temas preferidos por Joanna de Ângelis, muitas vezes citado em suas obras, sendo inclusive tema frequente de palestras, seminários e workshops de Divaldo Franco. Podemos abstrair daí que existe, no mínimo, uma admiraçao muito grande de Joanna de Ângelis pela filosofia e obra deste espírito tão único e amoroso que é Francisco de Assis.

Existem informações de que Joanna teria vivido na época de Francisco (1182-1226), sendo possível que tenha sido uma das seguidoras de Clara de Assis (1193-1252), fundadora da Ordem das Clarissas. Contudo, todas as informações referentes a esta encarnação em específico são muito vagas, o que já denota uma certa intenção de não revelar muitos detalhes pela própria Joanna ou pela Espiritualidade.

A sensível admiração de Joanna pelo missionário de Assis nos demonstra que talvez haja uma ligação maior do que nos é permitido tomar conhecimento. Mas com relação a isso, tudo o que se disser a respeito será mera especulação, pois aquilo que servir para nosso crescimento e aproveitamento moral nos será revelado no momento certo, caso contrário, dificilmente tomaremos conhecimento.

SÓROR JUANA INÉS DE LA CRUZ

Joanna renasce em 1651 na pequenina San Miguel Nepantla, a uns oitenta quilômetros da cidade do México, com o nome de Juana de Asbaje Y Ramirez de Santillana, filha de pai basco e mãe indígena. Após 3 anos de idade, fascinada pelas letras, ao ver sua irmã aprender a ler e escrever, engana a professora e diz-lhe que sua mãe mandara pedir-lhe que a alfabetizasse. A mestra, acostumada com a precocidade da criança, que já respondia às perguntas que a irmã ignorava, passa a ensinar-lhe as primeiras letras.

Começou a fazer versos aos 5 anos. Aos 6 anos, Juana dominava perfeitamente o idioma pátrio, além de possuir habilidades para costura e outros afazeres comuns às mulheres da época. Soube que existia no México uma Universidade e empolgou-se com a idéia de no futuro, poder aprender mais e mais entre os doutores. Em conversa com o pai, confidenciou suas perspectivas para o futuro. Dom Manuel, como um bom espanhol, riu-se e disse gracejando: – “Só se você se vestir de homem, porque lá só os rapazes ricos podem estudar.” Juana ficou surpresa com a novidade, e logo correu à sua mãe solicitando insistentemente que a vestisse de homem desde já, pois não queria, em hipótese alguma, ficar fora da Universidade.

Na Capital, aos 12 anos, Juana aprendeu latim em 20 aulas, e português, sozinha. Além disso, falava nahuatl, uma língua indígena. O Marquês de Mancera, querendo criar uma corte brilhante, na tradição européia, convidou a menina-prodígio de 13 anos para dama de companhia de sua mulher. Na Corte encantou a todos com sua beleza, inteligência e graciosidade, tornando-se conhecida e admirada pelas suas poesias, seus ensaios e peças bem-humoradas. Um dia, o Vice-rei resolveu testar os conhecimentos da vivaz menina e reuniu 40 especialistas da Universidade do México para interrogá-la sobre os mais diversos assuntos. A platéia assistiu, pasmada, àquela jovem de 15 anos responder, durante horas, ao bombardeio das perguntas dos professores. E tanto a platéia como os próprios especialistas aplaudiram-na, ao final, ficando satisfeito o Vice-rei. Mas, a sua sede de saber era mais forte que a ilusão de prosseguir brilhando na Corte.

A fim de se dedicar mais aos seus estudos e penetrar com profundidade no seu mundo interior, numa busca incessante de união com o divino, ansiosa por compreender Deus através de sua criação, resolveu ingressar no Convento das Carmelitas Descalças, aos 16 anos de idade. Desacostumada com a rigidez ascética, adoeceu e retornou à Corte. Seguindo orientação de seu confessor, foi para a ordem de São Jerônimo da Conceição, que possuia menos obrigações religiosas, podendo ali dedicar-se às letras e à ciência.

Nasceu ali a Sóror Juana Inés de La Cruz, nome religioso adotado pela jovem prodigiosa. Em sua confortável cela, cercada por inúmeros livros, globos terrestres, instrumentos musicais e científicos, Juana estudava, escrevia seus poemas, ensaios, dramas, peças religiosas, cantos de Natal e música sacra. Era freqüentemente visitada por intelectuais europeus e do Novo Mundo, intercambiando conhecimentos e experiências. A linda monja era conhecida e admirada por todos, sendo os seus escritos popularizados não só entre os religiosos, como também entre os estudantes e mestres das Universidades de vários lugares. Era conhecida como a “Monja da Biblioteca”. Se imortalizou também por defender o direito da mulher de ser inteligente, capaz de lecionar e pregar livremente.

Em 1695 houve uma epidemia de peste na região. Juana socorreu durante o dia e a noite as suas irmãs religiosas que, juntamente com a maioria da população, estavam enfermas. Foram morrendo, aos poucos, uma a uma das suas assistidas e quando não restava mais religiosas, ela, abatida e doente, tombou vencida, aos 44 anos de idade.

SÓROR JOANA ANGÉLICA DE JESUS

Em 1761, passados então 66 anos do seu regresso à Pátria, na cidade de Salvador (Bahia), Joanna de Ângelis retorna agora como Joana Angélica, filha de uma abastada família.

Aos 21 anos de idade ingressa como franciscana no Convento da Lapa, com o nome de Sóror Joana Angélica de Jesus, fazendo profissão de Irmã das Religiosas Reformadas de Nossa Senhora da Conceição. Foi irmã, escrivã e vigária, sendo que em 1815, tornou-se Abadessa.

No dia 20 de fevereiro de 1822, defendendo corajosamente o Convento, assim como a honra das jovens que ali moravam, foi assassinada por soldados que lutavam contra a Independência do Brasil.

joanna darc

Joana D’ Arc

A Lendária e Histórica Pucelle

Conforme já disse o célebre escritor, conterrâneo de Joana d’Arc, Léon Denis: “a história de Joana é inesgotável mina de ensinamentos, cuja extensão total ainda se não mediu e da qual se não tirou ainda todo o partido desejável para a elevação das inteligências, para a penetração das leis superiores da Alma e do Universo” (Joana d’Arc Médium, FEB 19ª edição, pág. 18).

Trata-se de uma inestimável personagem histórica, absolutamente sem precedentes, que tem merecido a atenção de várias gerações de estudiosos até hoje. Cronistas, poetas, romancistas e historiadores têm fornecido imagens diferentes sobre esta personagem. De feiticeira à santa, quase tudo já se disse sobre Joana. Entretanto, nenhuma crítica, nenhuma controvérsia logrará manchar a auréola de sublime pureza que a envolve.

No tocante ao rol de filmes sobre a Virgem de Lorena, gostaríamos de enaltecer o trabalho cinematográfico francês intitulado “Joana d’Arc”, com participação da grande Jacqueline Bisset, pois esta obra pareceu-nos muito fiel à biografia admitida pela grande maioria dos historiadores. Já o último filme sobre Joana d’Arc, com Milla Jovovich, é uma grande difamação, ridícula, pois trata nossa heroína à guisa de louca e interesseira, com alucinações e delírios frutos de uma demência. Este filme hollywoodiano é, portanto, uma grande afronta ao bom senso das pessoas, subestimando a inteligência do público e ignorando os fatos comprovadamente históricos acerca de nossa personagem.

Aliás, diga-se de passagem, baseamos esta biografia na obra dos historiadores Jônatas Batista Neto e José Batista. Os diálogos que incluímos neste trabalho estão baseados no relatos dos processos de condenação e de reabilitação da Pucelle.

A verdade é que a vida de Joana d’Arc, sem sombra de dúvida, é uma das manifestações mais brilhantes da Providência Divina na História da Humanidade. Sua vida resplandece como celeste raio de luz, na temerosa noite da Idade Média.

E não é só isso! Para nós, espíritas, é de suma importância dar a devida importância à famosa libertadora da França, o país que quatro séculos mais tarde tornar-se-ia berço da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec.

Hoje, este sublime anjo de Deus, executa em esfera mais alta, no plano espiritual e moral, trabalho de preparação e auxílio nesta revolução pacífica e regeneradora, que arrancará as sociedades humanas dos caminhos trevosos e dirigirá o olhar do homem para os destinos esplêndidos que o esperam, concitando a Humanidade a acelerar a marcha rumo a uma Nova Era.

Mas vejamos como tudo isso se deu!

A Época de Joana

Joana d’Arc viveu em um dos períodos mais sombrios da história da França, numa fase já avançada da chamada Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre a França e a Inglaterra, que teve como causa principal a pretensão dos reis ingleses de assumirem a coroa francesa, visto que o rei francês Carlos IV morrera em 1328 sem deixar herdeiro para o trono e sua irmã Isabel desposara Eduardo II da Inglaterra. Este casal possuía um filho, Eduardo III, que, ao completar 18 anos de idade, passou a reivindicar seus direitos, causando vários atritos entre os dois países, culminando com a guerra aberta em 1337.

Mas Deus não deixa a humanidade abandonada a si mesma, principalmente nas horas de crise e de provação. É quando Ele intervém através de Seus mensageiros providenciais, impedindo o triunfo do mal.

Destarte, foi em 1412, numa bonita e singela casa de pedra, que nasceu Joana, filha de Isabel Romée e Jacques d’Arc, pobre camponês da aldeia de Domrémy, em Lorena. Na época em que a peste negra e a guerra civil dizimavam milhares de vidas, eis que surge Joana d’Arc, como um raio de luz, vindo do alto, em meio dessa noite de luto e de miséria, para salvar da morte todo o reino da França.

Em 1420, o rei louco Carlos VI, em sua demência, assinou o Tratado de Troyes, claramente desfavorável à França, deserdando seu filho Carlos VII, conhecido como “o delfim”, devendo a coroa francesa passar para o inglês Henrique V, que se casara com Catarina, filha do rei da França.

Quando Joana d’Arc aparece no cenário da História, o duque de Borgonha já reconhecia Henrique V como rei da França. Paris estava nas mãos dos ingleses. O delfim Carlos, então, vira-se obrigado a refugiar-se em Bourges, juntamente com os demais franceses rebeldes à dominação inglesa, entregando-se ao desânimo e à inércia. A França estava perdida, ferida no coração. Orleáns, cuja ocupação entregaria aos estrangeiros o coração do país, ainda resistia, mas por quanto tempo?

A Missão da Pucelle

Embora desfrutasse de uma infância normal, brincando com as outras crianças, auxiliando sua mãe a fiar lã e seu pai nos cuidados com o gado, Joana não deixava de observar as dificuldades por que a sua aldeia passava, tendo até mesmo que fugir, para se proteger em fortalezas, quando um ataque inimigo ameaçava a região.

Extremamente religiosa, Joana freqüentava a igreja e acompanhava todas as procissões que percorriam a aldeia e os campos culminando na leitura do Evangelho. Não sabia ler nem escrever. Era uma boa e meiga criança, amada por todos, especialmente pelos pobres e infelizes, os quais nunca deixava de socorrer e consolar. Cedia boamente a cama a qualquer peregrino fatigado e então passava a noite sobre um feixe de palha. Trata-se, realmente, de uma dessas almas puras e profundas que descem à Terra para desempenhar elevada missão.

A sua primeira visão ocorreu no ano de 1425, num dia quente de verão, ao meio-dia. Uma voz, acompanhada de muita luz e vinda da direção da Igreja, tomou-a de surpresa, incutindo grande medo. Assustada, Joana ouviu-a por três vezes e então teve a certeza que era a voz de um anjo, que ela mais tarde reconheceu como São Miguel, a dizer-lhe para ser sempre boa, continuar indo à igreja e confiar no Senhor. A visão marcou profundamente o espírito ainda infantil de Joana, que não hesitou em fazer voto de castidade.

Pouco a pouco, seus colóquios com os Espíritos se tornavam mais freqüentes e, certa feita, o arcanjo São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida falam da situação do país e lhe revelam sua missão: “É preciso que vás em socorro do delfim, para que, por teu intermédio, ele recobre o seu reino.” A princípio Joana se escusa, afinal, era uma simples menina e não sabia nada de guerras ou montaria. Mas as Santas Catarina e Margarida repetiam-lhe sem cessar: “Vai, vai, nós te ajudaremos!”.

Destarte, a menina Joana precisava partir, instruída pelas vozes angelicais. Seu destino era seguir para Chinon, ao encontro do delfim Carlos VII e convencê-lo de que Deus confiou a ela a missão audaz de reorganizar e comandar o exército francês, expulsar as tropas inglesas e pôr fim ao cerco de Orléans, além de sagrá-lo rei, restituindo à França a sua sonhada liberdade.

Começa a Missão

Ainda com 16 anos, em Maio de 1428, Joana recorre ao seu primo Durant Laxard, a quem respeitosamente chamava de tio devido à diferença de idade, único parente que acreditava em sua predestinação. Então ela viaja para Burey-le-Petit para assistir sua prima, a esposa de Durant, que estava grávida. Depois de uma semana, seu tio a leva para Vaucouleurs, onde ela reconhece, pelo concurso de suas vozes, o capitão Roberto de Baudricourt, a quem ela contou sua missão, pedindo auxílio para chegar até o delfim. Mas o comandante de Vaucouleurs não lhe dá ouvidos e Joana retorna à Domrémy.

No mesmo ano, o exército dos ingleses e borgonheses (seus aliados) atacaram a região e nesta investida alcançaram Domrémy, obrigando o povo da aldeia a refugiar-se em Neufchâteau, mais ao sul. A devastação deu a Joana mais motivos para voltar a Vaucouleurs em Janeiro de 1429.

A Donzela, então, arruma sua ligeira bagagem – um embrulhozinho e o bastão de viagem – ajoelha-se ao pé do leito onde repousam seus pais e, em silêncio, murmura aos prantos o seu adeus. Não faltará a sua missão, pois a França aguarda. Aos 17 anos ela, pura como o lírio sem mácula, partiu para cumprir sua missão e Domrémy nunca mais tornou a vê-la.

Chegando pela segunda vez em Vaucouleurs, novamente em companhia de seu tio Durant, viu seu pedido novamente recusado pelo rude capitão Braudicourt. Entretanto, nada é capaz de desviá-la de seu objetivo e ela passou a insistir demasiadamente, parando seus apelos apenas para rezar na capela do castelo e assistir à missa. Apoiada pelo povo, que recordava uma antiga profecia segundo a qual a restauração da França seria conseguida graças à uma virgem oriunda de Lorena, Joana conquistava a simpatia da cidade. Se preciso fosse, ela caminharia até não ter mais pernas, para cumprir o seu intento. Foi quando recebeu trajes masculinos e um cavalo, tal como queria. Impressionado com sua convicção, um cavaleiro chamado Jean de Metz, prometeu conduzir-lhe até o delfim. Finalmente, Braudicourt, o comandante de Vaucouleurs, cedeu-lhe uma pequena escolta para que pudesse encetar a viagem até os domínios do monarca.

Após onze dias de uma viagem cheia de obstáculos, cruzando províncias dominadas pelos inimigos, evitando a maior parte das cidades, parando em Auxerre apenas para que pudessem rezar na catedral, venceram os 500 quilômetros que os separavam do castelo de Chinon em perfeita segurança. Chegaram à aldeia de Santa Catarina-de-Fierbois, distante 35 quilômetros de Chinon, no final de Fevereiro, onde os rumores acerca da missão da Pucelle já se faziam presentes. Da aldeia, Joana enviou mensageiros ao delfim, solicitando-lhe uma entrevista. Durante dois dias, ela aguardou a resposta orando e assistindo à missa na capela da aldeia, quando enfim recebeu o convite para ir à coorte.

A Donzela e a Coorte

Com o intuito de experimentar a emissária de Deus, Carlos VII pusera no trono um cortesão e ocultara-se na multidão de fidalgos. Joana entrou no imenso salão do castelo, onde se achavam reunidas trezentas pessoas e, instruída pelas suas vozes, reconheceu o delfim com facilidade, foi direto a ele e ajoelhou-se, saudando-o com humildade, para surpresa geral de todos os presentes.

Pouco depois, palestrando longamente em particular com o já impressionado delfim, ela ainda deu-lhe outra prova: a Donzela revelou-lhe suas próprias hesitações e pensamentos que ele guardava em segredo e dissipou-lhe dúvidas que nutria sobre seu próprio nascimento, reconhecendo-o como legítimo herdeiro do trono da França e, como tal, seria conduzido a Reims para a devida sagração, devendo, em nome disso, fornecer um exército à Pucelle para cumprimento da primeira etapa de sua missão, a libertação de Orléans.

Carlos VII, então, disse ao conselho e aos presentes que a Virgem de Lorena havia-lhe feito revelações admiráveis e dado um sinal divino, depositando por isso, grande confiança nela. Contudo, o conselho da coorte ainda deliberou enviar Joana a Poitiers para submetê-la a um rigoroso exame. Diante da comissão de inquérito, a cada momento rompem seus lábios ditos chistosos, tão imprevistos quanto originais, arrasando as lastimosas objeções de seus examinadores. Foi ainda submetida, mais de uma vez, a um conselho de matronas que lhe constaram a virgindade.

Como vemos, os agentes da coroa francesa se mostraram tão ingratos e indiferentes para com a Pucelle tanto no início quanto no decorrer de sua missão. Nesta pobre criança não se encontrou maldade alguma e sim tudo quanto é bom, humildade, virgindade, devoção, honestidade e simplicidade.

Joana saiu triunfante de todas essas provações e garantiu que os ingleses seriam vencidos, o delfim seria sagrado rei, Paris retornaria à obediência da França e o duque de Orléans regressaria de seu cativeiro na Inglaterra. Essas quatro profecias da Pucelle se realizaram, embora duas após a sua morte. Esse inquérito foi registrado no “Livro de Poitiers”, onde as comissões deram fé que Joana era virgem, boa cristã e uma verdadeira católica.

As Batalhas

Após a exaustiva investigação, o delfim e o conselho decidiram que Joana d’Arc deveria receber auxílio para as operações militares e ostentaria o título de chefe da guerra. Ela então seguiu para Tours, onde mandou fazer a sua armadura e as suas insígnias: um estandarte de guerra, uma flâmula de batalha e um estandarte religioso, este último um pouco menor que o primeiro e possuía uma bandeira branca com franjas de seda, uma imagem de Deus abençoando as flores de lis e a divisa “Jhésus Maria”.

Antes de partir para Blois, ela ainda enviou um armeiro para Santa Catarina-de-Fierbois em busca da espada do histórico Carlos Martel, com cinco cruzes gravadas no topo, que estava enterrada atrás do altar da igreja. Incrível é que ninguém sabia que a espada ali se encontrava. A Donzela também cortou seus longos cabelos, que na verdade eram negros, embora muitos pintores o retratem loiros.

Em Blois, Joana e seu pequeno grupo juntaram-se aos grandes chefes militares franceses Raul de Gaucourt, Regnault de Chartres, Poton de Xaintrailles, Gilles de Rais e Estêvão Vignolles (conhecido por La Hire), reunindo um exército de aproximadamente quatro mil homens.

Então, a 27 de Abril de 1429, o exército partiu com víveres para Orléans, ponto estratégico do Vale do Loire, que já estava cercada pelos ingleses desde o ano anterior. Em Orléans a defesa estava entregue a João Dunois, um dos maiores capitães franceses do final da Guerra dos Cem Anos.

Joana sempre preocupou-se muito com a situação dos pobres franceses das cidades sitiadas pelos ingleses e seus aliados. A população se espremia nas ruas para vê-la. Envergando a armadura toda branca, empunhando a bandeira e trazendo à cinta a espada de Fierbois, a Pucelle avançava radiante de esperança e de fé. Se os cortesãos a olham com suspeita e desdém, o povo ao menos acredita nela e na sua missão libertadora.

Antes de atacar, Joana ditava cartas que eram enviadas aos ingleses exortando-os à rendição, para que partissem em paz. Mas o ingleses haviam feito um círculo de formidáveis fortificações em torno de Orléans. Ademais, lá se encontravam as melhores tropas e comandantes da Inglaterra. Mais tarde, durante os combates, ela agia da mesma forma, gritando ordens para os inimigos que cessassem a luta e partissem. Nem sempre ela era ouvida.

Um primeiro ataque às trincheiras de Saint-Loup é tentado em sua ausência. Quando avisada, a heroína se arroja a toda brida, com a bandeira desfraldada. Era a primeira vez que Joana d’Arc vinha combater. Eletrizando os soldados, entrando na batalha, ela logo se fez chefe, pois era melhor do que os outros. Não que ela fosse mais versada em coisas de guerra, pelo contrário, mas tinha o coração mais abnegado. Quando cada um pensava em si, ela pensava em todos. Quando cada um tratava de se resguardar, ela a tudo se expunha. Assim, ela toma lugar à frente dos soldados, permanecendo em pé sob uma chuva de projéteis arremessados pelos arcos e bestas para manter unidos os combatentes. Com esse vigoroso ataque, conseguiu romper as linhas inglesas.

Cada assalto era uma vitória. João Dunois louvava a maneira que Joana dispunha estrategicamente as tropas. E, conforme está registrado em seu depoimento no processo de reabilitação, dizia ele: “antes dela duzentos ingleses punham em fuga mil franceses; mas com ela, algumas centenas de franceses forçam um exército inteiro a recuar”. Em Maio, o exército dos franceses tomou a fortaleza inglesa do mosteiro dos agostinianos. Os sobreviventes ingleses fugiram para Tourelles, à margem do rio Loire.

Joana devolveu o entusiasmo e a esperança aos soldados franceses. Os ingleses a temiam, mas não hesitavam em bradar impropérios caluniosos, sobretudo acusavam-na de prostituta. Que grande calúnia! A Pucelle nunca admitira que os soldados franceses andassem com prostitutas nos acampamentos, prática muito comum na época. Mesmo assim, ela não odiava seus inimigos e, quando eram capturados, não permitia que fossem maltratados.

A tomada de Tourelles foi iniciada em 07 de Maio e, pela primeira vez, Joana foi ferida. Uma flecha atingiu-lhe o ombro. Muito assustada, chorando, a Virgem de Lorena foi consolada pelos anjos sublimes de suas visões, acalmando-se então, enquanto a hemorragia era misteriosamente estancada. Os ingleses resistiram bravamente, mas a dupla fortificação acabou pegando fogo, e muitos deles caíram no rio e se afogaram.

Após a queda de Tourelles, os ingleses das fortalezas localizadas a oeste da cidade desistiram de lutar quando receberam o aviso da Donzela de Orléans e fugiram para Meung. A vitória foi completa e a população comemorou com festas e celebrações religiosas de agradecimento.

Em 12 de Junho, a cidade de Jargeau foi reocupada pelos franceses sob o comando da Pucelle. Depois foi a vez de Meung e Beaugency. No dia 18 do mesmo mês, numa localidade chamada Patay, travou-se uma batalha em que os ingleses foram batidos em campo raso, esmagadoramente derrotados (as fontes históricas registram 3 baixas francesas contra 2000 inglesas) e o general inglês João Talbot caiu prisioneiro. Os ingleses passaram a temer ainda mais a Donzela de Orléans, pois acreditavam ser ela uma feiticeira e discípula do demônio. Já os franceses a tinham como grande heroína emissária dos céus, consagrando à Pucelle um culto cada dia mais elevado.

A Coroação de Carlos VII

Os conselheiros da coorte viviam inquietos, receosos de perderem seu prestígio devido ao bom êxito das obras de Joana. O influenciável delfim Carlos VII permanecia indeciso quanto ao próximo passo a tomar, nem sequer foi visitar os orleaneses. Por fim, decidiu ouvir a Pucelle e pôr-se a caminho de Reims, obtendo pacificamente a submissão das cidades que ficavam no caminho.

Os reis da França eram tradicionalmente coroados na cidade de Reims, através de um ritual de sagração em que o monarca era untado com um óleo, dito sagrado, que teria sido trazido diretamente do céu por uma pomba e que jamais se esgotava, renovando-se miraculosamente. Era lá que se cumpriria a segunda profecia da Donzela.

Em Gien, Joana e o duque d’Alençon reuniram uma grande multidão incluindo cavaleiros, escudeiros, soldados e gente comum, perfazendo um total de doze mil pessoas. A 29 de Junho partiu a expedição rumo a Reims.

No início de Julho eles chegaram a Auxerre, cidade com a qual estabeleceram um tratado que estabelecia a neutralidade desta; depois alcançaram Saint-Florentin, que se rendeu sem dificuldades. No dia 5 chegaram em Troyes, que fechou as portas, onde o conselho da cidade hesitou entre conservar fidelidade aos ingleses e borgonheses ou aderir ao delfim. Joana pediu ao delfim que aguardasse alguns dias, pois Troyes iria se render.

Diante do impasse, os franceses preparavam-se para atacar a cidade. O exército inteiro aguardava o sinal da Pucelle, que permanecia de pé junto ao fosso, com o estandarte na mão, quando os sitiados apavorados pediram negociação. No dia 10 a guarnição anglo-borgonhesa se retirava da cidade, mas levava alguns franceses como prisioneiros. Esses pobres coitados, ao passarem por Joana, imploraram a ela que interviesse. A heroína se opôs energicamente a que fossem levados e o delfim teve que resgatá-los a dinheiro.

De Troyes eles seguiram para Châlons, que abriu suas portas. Ali, Joana teve a felicidade de encontrar alguns amigos, habitantes de Domrémy. Entre eles, o lavrados Gérardin, de cujo filho Nicolau ela era madrinha. Aos amigos Joana dizia o quanto lhe seria prazeroso voltar ao seio da família e às ocupações campestres, mas sua missão a retinha perto do rei por vontade do Alto.

Enfim, no dia 16 de Julho, chegaram finalmente a Reims, logo após a partida da guarnição borgonhesa da cidade, onde o delfim e sua delegação foram recepcionados nas ruas pelo povo esperançoso de dias melhores. Lá também estavam, com alguns parentes, os pais de Joana d’Arc, para realizar o tão almejado sonho do reencontro com sua amada menina.

A cerimônia de coroação foi realizada no dia 17 de Julho pelo arcebispo de Reims, Reinaldo de Chartres. O ritual durou das 9 às 14 horas entre o juramento, a unção e a entrega de insígnias. Joana, que certamente estava exultante, pois via parte de sua missão cumprida, assistiu à cerimônia segurando o seu estandarte e, no final, ajoelhou-se diante do rei, abraçando-lhe as pernas, chorando. A coroação de Carlos VII foi uma grande vitória francesa porque transformou um príncipe, com discutidas pretensões à realeza, em soberano aceito por grande parte da população do reino, até mesmo por gente que vivia em território ocupado pelos borgonheses ou ingleses.

A Traição

“- A Paris!”, clamava Joana no dia posterior ao da sagração.

“- A Paris!”, repetia o exército inteiro.

Mas predominam a ingratidão, a maldade, as intrigas dos cortesãos e dos eclesiásticos e até a má vontade do rei. Todos aqueles cortesãos pérfidos sentiram-se eclipsados perante o brilho da Pucelle; aqueles ministros da Igreja sentiam sua autoridade menosprezada por uma enviada do céu; até diversos chefes militares sentiam-se superados por ela na ciência da guerra, todos esses homens, feridos em orgulho e vaidade, juraram vingança.

Se Carlos VII houvesse atendido ao apelo de Joana e marchado logo sobre a capital, Paris e toda a área até o Loire teriam sido facilmente conquistadas. Os ingleses estavam aterrados com as derrotas sofridas. Seu principal exército estava destroçado e os seus melhores capitães caíram prisioneiros ou morreram. Seus soldados desertavam com medo da Pucelle, a quem chamavam “a feiticeira da França”.

Mas a indecisão do rei francês deu ao duque de Bedford tempo suficiente para convocar as tropas inglesas, que a princípio deveriam lutar contra os Hussitas, para reforçar as defesas de Paris.

Finalmente, em 08 de Setembro o assalto é iniciado. Mas as ordens de Joana não foram cumpridas. Deram-lhe por ajudantes os dois comandantes que mais a hostilizavam: Raul de Gaucourt e Marechal de Retz. Deixam de entupir os fossos e de sustentar o ataque. O rei não quis mostrar-se às tropas. Prometera ir e faltou à palavra. Joana, como sempre, portou-se heroicamente, permanecendo junto ao fosso, incitando os soldados ao assalto, sob uma saraivada de projéteis. Uma flecha feriu-lhe profundamente na coxa, mas ainda assim não parou de exortar os franceses à luta. Ela só abandonou o lugar forçada pelo duque d’Alençon e por Raul de Gaucourt.

As forças francesas foram obrigadas a retornar para Saint-Denis. O ataque a Paris foi o primeiro fracasso de uma carreira marcada por grandes vitórias, graças à traição justamente daqueles que mais deviam à Pucelle. No dia seguinte, Joana quis recomeçar o ataque, porém, o que aconteceu? Não puderam mais passar. O rei havia mandado destruir as pontes que davam acesso à capital e impusera retirada. No fim do mesmo mês, o rei chegou a Gien, no Vale do Loire, e o exército foi desmobilizado.

A má vontade dos homens e a ingratidão do rei e de seus conselheiros criaram mil obstáculos à heroína e ocasionaram o malogro de seu empreendimento. Após o desastre diante dos muros de Paris, Joana experimentou as alternativas das vitórias e dos reveses. Com uma pequena tropa, ela venceu em Saint-Pierre-le-Moûtier e foi derrotada em Charité. À borda dos fossos de Melun, suas vozes lhe alertaram, pela primeira vez, que seria capturada pelo inimigo em breve e deveria a tudo suportar em nome de Deus. Certa ocasião, o duque d’Alençon ouviu-a dizer ao rei que não viveria muito mais do que um ano.

É a partir desse momento que Joana d’Arc tornar-se-á verdadeiramente grande, maior do que pelo efeito de suas vitórias. Sua atitude, seus sofrimentos, suas palavras inspiradas, suas lágrimas, sua dolorosa agonia farão dela alvo de admiração por todos os séculos vindouros. A adversidade lhe adornará a fronte com uma auréola sagrada!

A coorte se instalara em Bougues, onde Joana também se hospedou. Mas a inação pesara-lhe e, no dia 23 de Maio de 1430, ela deixou o rei aos prazeres e festas em que se comprazia e partiu à frente de uma pequena tropa que lhe era dedicada rumo a Compiègne, cercada por tropas inglesas e borgonhesas comandadas respectivamente por João Montgomery e João de Luxemburgo. Há registros históricos de que, passando por Lagny, suas orações fizeram reviver uma criança que já era considerada morta.

Em uma emboscada, durante uma das sortidas que ela constantemente fazia, o governador da cidade, Guilherme de Flavy, mandou arriar o rastilho e a heroína, não tendo podido mais entrar na praça, foi capturada. Mesmo a poucos metros da entrada, nenhuma tentativa de socorro se fez e a Donzela foi abandonada à sua sorte.

O Cativeiro

Já no dia 26 de Maio de 1430, a Universidade de Paris, que reconhecia Henrique VI como legítimo herdeiro do trono francês, solicitou ao duque de Borgonha que Joana fosse apresentada à Inquisição para ser julgada por crime de heresia. Por trás da Universidade, movimentava-se o bispo de Beauvais, Pedro Cauchon, que teve sua carreira prejudicada pelos acontecimentos do ano anterior, desencadeados pela Donzela de Orléans.

Joana foi primeiramente encarcerada no castelo de Beaulieu, a pequena distância de Compiègne, sendo depois transferida para o castelo de João de Luxemburgo. Durante os quatro meses que lá permaneceu, numa tentativa de fuga para continuar a lutar ao lado do povo de Compiègne, ela saltou de uma torre muito alta, perdendo a consciência ao cair em um dos fossos. Recolhida pelos soldados que a julgavam morta, recuperou-se milagrosamente depois de alguns dias. Posteriormente, a Donzela declarou-se arrependida deste ato praticado, principalmente por não ter ouvido as advertências de suas vozes que não aprovaram sua ação.

Durante seis meses, Joana andou de prisão em prisão, até que, em 21 de Novembro, em obediência às determinações da Universidade de Paris, foi vendida aos inimigos cruéis ingleses por dez mil libras, tendo como Pedro Cauchon intermediário das negociações. Dinheiro este que, aliás, foi obtido mediante cobrança de pesado imposto sobre os territórios da própria França, que estavam dominados pela Inglaterra. Não há registros de que Carlos VII tenha feito sequer uma oferta pela libertação da Donzela.

Em uma das prisões que passou, a Donzela ficou presa em frente à cela de uma mulher conhecida como a Louca de Paris. Esta mulher, por resgate cármico, alternava-se entre estados de lucidez e de loucura e estava presa por ter maltratado um inquisidor num de seus surtos insanos. Quando em estado de lucidez, vendo como maltratavam a Donzela, a Louca de Paris avançava contra as grades e explodia em palavras de baixo calão. Certa vez, os soldados abriram as grades da cela da louca e empurram Joana para dentro, desafiando a curá-la, já que falava com os anjos. A louca mulher enfurecida imediatamente acalmou-se e, ajoelhada aos pés de Joana, pediu alívio para seu sofrimento, chorando como criança. A Donzela olhou em torno da louca e viu vultos negros que sugavam como vampiros aquela pobre criatura. Ordenou-lhes, então, que fossem embora, em nome do Cristo e dos Santos. Acariciou a mulher e beijou-lhe a fronte, despedindo-se, caminhando para o dever frente aos carrascos do poder temporal. Com efeito, malgrado dos soldados, a mulher nunca mais sofreu os tais acessos de loucura e, estando curada, foi colocada em liberdade após alguns dias.

Finalmente no final de 1430, Joana chega a Rouen, onde viu-se aprisionada no castelo de Bouvreuil para responder ao processo. A pobre menina foi encarcerada num calabouço, numa espécie de gaiola de ferro, trancada com três chaves. Acorrentaram-na pelo pescoço, pela cintura, pelos pés e pelas mãos a uma pesada tora de madeira.

Que duro suplício para uma pobre donzela! Se não fosse a consolação e o amparo sublime dos seus anjos, teria sucumbido à tão terrível aflição. Mesmo morrendo de fome, machucada pelos ferros, cercada de imundícia, tirou de sua fé a coragem de perdoar aos seus algozes.

Vigiada por uma guarda composta por cinco soldados ingleses, não foram poucas as vezes em que tentaram violentá-la. Como nunca conseguiam, batiam-lhe, deixando seu rosto inchado pelas pancadas. Para a própria proteção, ela insistia em permanecer usando trajes masculinos, fato que, aliás, foi classificado como crime.

Destarte, nas horas mais difíceis, que lhe causavam mais temor do que a própria morte, os amigos do invisível intervinham. Uma legião radiosa de espíritos puros salvaguardavam-na naquela sombria prisão, dando-lhe forças para resistir a tudo e lhe diziam: “tem coragem! Serás libertada por uma grande vitória!” Inicialmente, ela pensou que essa libertação seria sua soltura, mas depois compreendeu que tratava-se da libertação pela martírio, pela morte redentora.

Assim, a duquesa de Bedford deu ordem expressa aos soldados para que a deixassem em paz. Ainda assim, tempos depois, um novo exame de virgindade foi feito pela própria duquesa em companhia de lady Ana Bavon e outras matronas, justificando porque era denominada La Pucelle.

Em Janeiro de 1431, Joana foi formalmente entregue pelos ingleses ao bispo de Beauvais, Pedro Cauchon, para início do processo de julgamento.

A Inquisição

Na Inquisição, a pressuposição de culpa do réu levava o tribunal a buscar somente os argumentos necessários para a imposição da pena. Para os acusados que reconheciam seus supostos erros e se arrependiam, a pena máxima era a prisão perpétua. Todavia, para os que se recusavam a admitir sua culpa e não se arrependiam, sobretudo no caso de feitiçaria e heresia, estava reservada a morte na fogueira.

Ao mesmo tempo que padecia de tão duro e horrível cativeiro, Joana ainda teve que sofrer as longas e tortuosas fases de um julgamento sem precedentes na história! De um lado, 60 clérigos, padres e doutores de corações petrificados, todos partidários dos ingleses e inimigos de Joana. De outro lado, sem advogado de defesa, uma menina de 19 anos, encarnação da pureza e da inocência, pronta aos maiores sacrifícios para cumprir a sua missão.

Mas a Pucelle não estava sozinha. Se o rei e os nobres da França nada fazem para resgatá-la, os seres invisíveis estavam lá para ampará-la, velando e inspirando réplicas que causavam espanto e desnorteavam os inquisidores doutores da lei. Jamais se viu a natureza humana subir tão alto de uma parte e, de outra, cair tão baixo!

Pedro Cauchon fora o convocado pela Inglaterra para assumir o papel de inquisidor. Mas, conduzindo o julgamento, ele extrapolava as funções inerentes às de juiz, ignorando os fatos e o comportamento da acusada. Fatos e atos serviram de base para o supremo objetivo da coorte: a obtenção de uma confissão que caracterizaria os crimes então em julgamento, os de heresia e bruxaria.

Para obter tal confissão, muitos espiões visitavam disfarçados a cela de Joana, dizendo-se simpatizantes de sua causa. Chegaram até a submetê-la à tortura em 09 de Maio de 1431. Joana resistia defendendo a França e o rei ingrato que a abandonara e, então, os torturadores tiveram que parar porque o seu frágil corpo, debilitado pelos maltratos, poderia não sobreviver e até o momento só a morte pública lhes interessava.

Os assessores do bispo Cauchon foram a todos os lugares que Joana havia passado, tentando juntar provas contra ela. Mas os relatórios, todos favoráveis à Pucelle, foram omitidos dos registros e algumas informações foram alteradas nas sessões de interrogatório, que se estenderam de 21 de Fevereiro a 17 de Março de 1431.

Os membros do tribunal, de momento a momento, cheios de raiva, engendram mil ardis ao interrogar Joana. No entanto, ela responde a todos com palavras tão judiciosas que ninguém pode duvidar de que ela está inspirada pelos seus guias do plano astral.

Quando perguntaram se os santos que apareciam-lhe estavam nus, Joana retrucou: “Acaso achais que Deus não tem com o que vestir?” Tentando culpá-la do crime de magia, perguntaram se, na conquista de suas vitórias, ela defendia o seu estandarte ou se era o estandarte que a defendia. De pronto, a Donzela respondeu: “Fosse do estandarte ou de Joana a vitória, tudo pertencia a Deus”. Ora, quantas pessoas poderiam resistir à tentação de atribuir a si próprios o mérito de suas vitórias? E como eles ainda insistiam em saber onde ela fundava suas esperanças de vitória, se era no estandarte, ela rematou: “Em Deus e em nada mais.”

Ainda ressaltamos a resposta à pergunta, feita na terceira sessão, que os inquisidores achavam que era irrespondível: “Acreditais estar na graça de Deus?” Situação difícil, pois a resposta afirmativa significaria presunção de Joana e a resposta negativa seria reconhecer estar em pecado. Mas Joana não hesitou em responder: “Se não estou, que Ele me faça estar; e se estou que Ele nela me conserve!”

Destarte, visando tornar menos público o julgamento e exercer maior pressão sobre Joana, das 15 sessões de interrogatórios a que ela foi submetida, durando horas cada uma, apenas as 6 primeiras contaram com a presença maciça dos assessores convocados pelo bispo. As demais foram feitas na cela da Pucelle, assistidas por um número reduzido de partidários de Cauchon.

Joana negava-se a responder a muitas perguntas, pois não reconhecia no tribunal que a julgava competência para questionar as coisas divinas. Até mesmo o juramento que antecedia cada sessão, obrigando-a a dizer somente a verdade, carecia de significado, pois ela havia jurado silêncio sobre muitas coisas acerca de suas visões.

Ela tentou remeter o tribunal às notas do inquérito de Poitiers, mas este, por ser-lhe favorável, havia sido destruído, restando apenas as suas conclusões obtidas somente durante o Processo de Reabilitação de 1456. Noutra ocasião, ponderou num tom de censura: “Registrais só o que é contra mim e nada do que é a meu favor!”

Um dia o bispo de Beauvais entra no cárcere acompanhado de sete padres. Os amigos do plano espiritual dizem à Joana que defenda a verdade e desafie a morte. Eis a seguir o trecho determinante do diálogo vital para a prisioneira. O bispo pergunta-lhe:

– “Queres submeter-te à Igreja?”

– “Só à Igreja lá do Alto me submeto, com relação a tudo o que tenho feito e dito.”

– “Assim, recusas submeter-te à Igreja, recusas renegar suas visões diabólicas?”

– “Reporto-me a Deus somente. Pelo que respeita minhas visões, não aceito o julgamento de homem algum.”

Joana recusa submeter-se, pois Deus deve ser servido antes que qualquer homem na Terra. A Pucelle não se submeteu à Igreja militante, isto é, a Igreja composta pelo papa, cardeais e demais membros do clero. Esta diferenciava-se da Igreja triunfante, que era representada por Deus, pelos santos e pelas almas que haviam alcançado a salvação.

Alguns inquisidores reconheceram em Joana um ente amparado pelo Céu e já entreviam as conseqüências deste crime. Mas como recuar? Só encontraram uma saída: fazer com que a vítima desaparecesse assassinada, evitando assim um crime público. Um peixe envenenado foi providenciado e a Donzela comeu e adoeceu. Mas os ingleses pagaram-na caro e a queriam na fogueira e, por isso, ministraram-lhe pérfidos cuidados, aproveitando, todavia, seu estado de fraqueza para exigir-lhe uma abjuração, mas Joana não cedeu.

Em 2 de Maio, ela foi apresentada à coorte para ouvir a leitura das 70 acusações do seu processo, que foram então condensadas para 12 acusações a fim de serem enviadas para a Universidade de Paris. Hei-las:

1. Atribuição a Deus a origem das revelações e aparições;

2. O uso de “sinal mágico” dado ao rei;

3. Afirmação de que os anjos e santos haviam sido reconhecidos pelos bons conselhos que a ela foram dados;

4. Previsão de acontecimentos e uso de adivinhação para reconhecer pessoas;

5. Insistência no uso de roupas masculinas;

6. Uso do sinal da cruz e das palavras “Jesus Maria” nas cartas que enviava;

7. Desobediência aos pais;

8. Tentativa de suicídio;

9. Afirmação de ter a garantia do paraíso como conseqüência do voto de castidade;

10. Afirmação de que os santos estavam contra os ingleses e a favor dos franceses;

11. A não-procura de auxílio da Igreja, quando deveria tê-lo feito;

12. A recusa à submissão à Igreja militante.

Estes doze artigos de acusação foram enviados pela coorte à Universidade de Paris desacompanhados de qualquer material adicional referente às sessões do processo, buscando eximir-se de toda responsabilidade quanto à decisão. A Universidade reforçou e endossou cada uma das doze acusações:

1. As revelações e aparições seguramente provinham de espíritos do mal.

2. O sinal dado ao rei era pura mentira e nunca poderia vir de anjos.

3. Fracas eram as razões para Joana afirmar o reconhecimento dos santos e anjos, e se ela o fazia com a mesma segurança com que tinha fé em Jesus Cristo, errava na fé.

4. Era supersticiosa e usava de adivinhação.

5. Blasfemava ao afirmar que o uso de roupas masculinas provinha de ordens de Deus, ferindo Seus sacramentos.

6. O uso do sinal da cruz e das palavras “Jesus Maria” nas cartas provava ser ela apenas uma assassina cruel que se vangloriava da vitória que lhe havia de ser dada por Deus.

7. Pecara ao transgredir o mandamento que diz que pai e mãe devem ser honrados.

8. O salto da torre da prisão fora inegavelmente suicida.

9. Era presunçosa ao afirmar que não estava em pecado e que poderia alcançar o paraíso levada pelos santos.

10. Transgredia o mandamento que diz “amai-vos uns aos outros”, ao afirmar que os santos eram favoráveis aos franceses e contrários aos ingleses.

11. Era idólatra e invocadora de demônios ao reverenciar seus santos sem o auxílio de um clérigo.

12. Era cismática, pois rejeitava a unidade e a autoridade da Igreja, recusando-se a submeter suas palavras e suas obras ao julgamento das autoridades. Dizendo que seria julgada somente por Deus, errava perigosamente na fé.

Finalmente, em 19 de Maio, o bispo Cauchon reuniu seus assessores para leitura das conclusões que faziam prever o trágico destino da Pucelle. Como ela mantinha-se irredutível, o julgamento foi dado por encerrado.

O Martírio

No dia 24 de Maio de 1431, Joana d’Arc foi levada para o cemitério de Saint-Ouen, onde o povo e os soldados ingleses aguardavam ansiosos pelo suplício. Os juizes reunidos, com destaque para o cardeal Beaufort e mais 6 bispos, João Massieu (oficial de justiça da coorte e escrivão do processo) e Guilherme Erard (mestre na Universidade de Paris), este último designado para fazer o sermão.

Erard principiou o sermão exortando Joana a permanecer na verdadeira vinha da Santa Madre Igreja. Quando criticou Carlos VII por se deixar iludir por uma mulher herética, teve que ouvir da Donzela uma bela réplica em defesa do rei: ela afirmou, sob pena de perder a vida, que ninguém tinha mais amor pela fé e pela Igreja do que o rei.

Hipócritas, eles pedem que Joana se compadeça de si mesma e não se condene ao suplício do fogo, convencendo-a de que deveria se salvar. Aquela alma tão pura e meiga deixou-se levar pelas refalsadas aparências de simpatia, pelas fementidas demonstrações de benevolência. Alguns, já haviam dito a ela anteriormente que na Igreja militante haviam muitos prelados e doutores partidários do rei Carlos VII e iriam ajudá-la. Logo em frente ao palanque, a fogueira já a esperava. Alguns historiadores dizem até que um carrasco chegou a pôr a mão da Pucelle no fogo para que ela sentisse a dor e se intimidasse.

Aturdida, confusa e sem mais forças para resistir, a Pucelle concorda em submeter-se e assina, com uma cruz, o papel que lhe trazem, sem fazer juramento. Mas lembremos que Joana não sabia ler nem escrever! Quando o escrivão Massieu leu para ela a fórmula de abjuração, ela não compreendeu realmente o significado do que estava fazendo.

Além disso, nenhuma das testemunhas que depuseram no Processo de Reabilitação, em 1456, atestaram a autenticidade da fórmula que se encontra apensa ao Processo de Condenação. Nesta ocasião, o próprio João de Massieu afirmou, positivamente, que tal documento não é o mesmo que Joana assinou. O original, segundo ele mesmo, não possuía mais que sete linhas, sendo a que se encontra nos autos extremamente longa.

Após ouvir a sentença de prisão perpétua, Joana cobrou as promessas que lhe haviam feito: que seria levada para uma prisão da Igreja e não seria mais acorrentada, que poderia assistir à missa e que teria por guarda uma mulher. Mas Cauchon não quis atendê-la e mandou-a de volta à mesma cela, onde recebeu roupas femininas, que imediatamente vestiu.

Na mesma noite, as vozes se fizeram ouvir e a Donzela compreendeu que não agira corretamente, pois deveria defender a verdade, mesmo que isso lhe custasse a própria vida. E os três dias seguintes foram um pesadelo interminável, pois Joana viu-se humilhada e atacada pelos soldados, que lhe bateram muito por não conseguirem o que queriam. Para defender o seu pudor e para demonstrar que não mudara, ela voltou a usar suas vestes.

No dia 28 Pedro Cauchon, Le Maître e mais 8 assessores foram vê-la para constatar que voltara a usar vestes masculinas. Joana disse-lhes:

“- A voz me disse que abjurar é uma traição. A verdade é que Deus me enviou. O que fiz está bem feito. Prefiro morrer a suportar por mais tempo o martírio do cárcere”.

Os soldados ingleses exultaram quando, no dia seguinte, o bispo de Beauvais anunciou que a Pucelle tornara-se relapsa e seria entregue à justiça secular.

Enfim, em 30 de Maio de 1431, às 8 horas da manhã, os sinos de Rouen dobram anunciando à Pucelle sua última hora soara. Quatro plataformas foram erguidos no Mercado Velho, sendo a mais alta reservada para Joana e as demais seriam ocupadas pelos juizes, onde o sermão seria pregado por Nicolau Midi.

Ela foi conduzida ao local da execução sob a vigilância de aproximadamente cem soldados ingleses e, em lágrimas, dizia a João Massieu: “é preciso até que meu corpo, intacto e puro, seja hoje consumido e reduzido a cinzas! Ah! Preferia que me decapitassem sete vezes!”

As suas vozes já lhe tinham revelado que deveria perecer na fogueira para completar sua missão e eternizar seu nobre e puro vulto na história, mas impressionava-a cruciantemente a idéia do suplício no fogo. Depois de atrozes maltratos, o ignominioso fim. Entretanto, Joana d’Arc nunca perdera sua fé vigorosa e sua confiança em Deus e assim transporia todos os obstáculos.

Nicolau Midi proferiu, ao lado da Donzela, a sentença que a considerava herética e a entregava à justiça secular. Os juizes e capitães ingleses esperavam que a Virgem de Lorena, vencida pela dor, gritasse implorando e renegando sua missão e suas vozes.

Todavia, no momento solene, em presença da morte que se avizinha, a alma de Joana se desprende das sombras terrenas e entrevê os esplendores eternos. Ela se ajoelha e profere uma prece extensa e fervorosa, em voz alta. Recomenda sua alma a Deus, à Virgem Maria e aos Santos. Pede que seus acusadores e os que a abandonaram fossem perdoados e declara-se responsável por todos os seus atos. A multidão estava comovida e muitos juizes não continham as lágrimas.

A Pucelle então pediu que lhe fosse permitido olhar para cruz cerimonial da igreja mais próxima, a do Santo Salvador, que foi-lhe trazida e erguida por Isambart de la Pierre bem defronte de seus olhos, enquanto amarravam-na à estaca de madeira e até o último instante. Ela queira ter diante de si a imagem desse outro supliciado que, lá nos confins do Oriente, no cume de um monte, deu a vida em holocausto à verdade: Jesus Cristo.

Os carrascos então põem fogo à lenha e turbilhões de fumaça se enovelam no ar. A chama cresce, corre, serpeia por entre as pilhas de madeira. O bispo de Beauvais acerca-se da fogueira e grita-lhe: “- Abjura!” Ao que Joana, já envolvida num círculo de fogo, responde: “- Bispo, morro por vossa causa, apelo do vosso julgamento para Deus!” Mais uma vez, a emissária de Deus, mesmo no momento crucial, perdoa o seu principal algoz.

As labaredas rubras, ardentes, sobem, sobem mais e lambem-lhe o corpo virginal; suas roupas fumegam. Hei-la, torcendo-se nas ataduras de ferro. Alguns minutos depois, em voz estridente, lança à multidão silenciosa e aterrorizada, estas retumbantes palavras: “- Sim! Minhas vozes vinham do Alto! Minhas revelações eram de Deus! Tudo o que fiz, foi por ordem de Deus!”

Suas vestes incendiadas se tornam uma das centelhas da imensa pira. Ecoa um grito sufocado, apelo supremo da mártir de Rouen ao mártir do Gólgota: “Jesus!” Olhando para cruz erguida à sua frente, Joana d’Arc expirou clamando pelo Mestre e, em espírito, ascendeu às regiões celestiais amparada por uma plêiade de amigos superiores do plano astral. Legiões de espíritos radiosos, formando um coro celestial, entoam um hino de triunfo, que repercutem nos espaços siderais: “Salve! Salve! Aquela que o martírio coroou! Salve aquela que, pelo sacrifício, conquistou eterna glória!”

Alguns historiadores dizem que suas cinzas foram lançadas ao Rio Sena logo após a execução. Outros, dizem que os ingleses apagaram o fogo logo que a virgem expirou, deixando seu corpo carbonizado exposto durante 8 dias à vista do povo, para só então reacender a fogueira e jogar no rio suas cinzas. Nesta ocasião, os soldados teriam encontrado seu coração completamente intacto, sem queimaduras, segundo opúsculo ditado pelo Espírito Miramez. Isso, graças à intervenção da Louca de Paris (já em espírito, pois desencarnara algum tempo antes, atropelada por uma carruagem), que protegera o coração de sua benfeitora e, com efeito, foi também recolhida das chamas para o regaço de Amor ao lado de um cortejo de estrelas celestiais.

De qualquer modo, não permitiram que os restos do corpo virginal, que abrigou um anjo, pudesse repousar num túmulo, onde os que amaram a Donzela pudessem ir chorar e depositar flores.

O pai de Joana, Jacques d’Arc, ferido no coração pela notícia do martírio da filha, morreu subitamente, acompanhado de perto pelo seu filho mais velho. A mãe então passou a ter como único objetivo na vida instar a revisão do processo. Em vão, durante anos, redigiu petições ao rei e ao papa.

Em 1435, do duque de Borgonha, Filipe, o Ousado, reconheceu Carlos VII como rei da França e, com a perda do aliado, a Inglaterra viu-se sem condições de continuar controlando Paris e retirou sua guarnição da cidade em 1436. Já em 1449 os franceses penetraram num dos últimos redutos ingleses em território francês e, logo que atingiram Rouen, cedendo à pressão popular, o rei mandou reunir a documentação do processo de condenação de Joana d’Arc.

Após a constituição, em 1452, de 21 artigos de crítica ao processo de condenação da Virgem de Lorena, produzidos pelo cardeal Guilherme d’Estouteville e seus juristas, a própria família enviou uma petição ao papa Calixto III, solicitando a sua reabilitação. Alguns destes artigos merecem ser conhecidos:

– Cauchon odiava Joana porque ela lutara contra os ingleses e procurara levá-la à morte por todos os meios possíveis.

– Ele pedira que ela fosse entregue, primeiro, ao rei da Inglaterra e somente depois à Igreja, e que pagaria qualquer preço por ela.

– Os ingleses temiam Joana e queriam a sua morte.

– Ela era simples, honesta e uma boa cristã.

– O interrogatório fora “difícil e insidioso”, e Joana não o compreendera.

– Joana não teve acessos a meios para defender-se.

– Ela morrera encomendando sua alma a Deus e invocando Jesus, de tal forma que provocou lágrimas em todos os presentes.

Quando finalmente o inquérito teve abertura, foram ouvidas mais de 100 pessoas nas principais cidade em que a Pucelle esteve. O veredicto final, pronunciado pelo arcebispo de Reims, João Jouvenel de Ursins, foi conhecido a 7 de Julho de 1456 e declarava Joana d’Arc totalmente limpa do julgamento de 1431, que estava repleto de fraudes, calúnias, iniqüidade, contradições e erros.

Já no século XIX, em 1869, na fase nacionalista que se seguiu à Revolução Francesa, o bispo de Orléans, Félix Dupanloup, deu início às gestões para obter a canonização da Donzela. Na década de 90, Leão XIII abriu uma investigação nesse sentido. Em 1909, Joana d’Arc foi beatificada e em 1920 canonizada.

A Redenção

Teria Joana sofrido muito? Ela própria, em mensagem mediúnica, que consta na sua biografia por Léon Denis, nos assegura que não, na página 154: “Poderosos fluidos choviam sobre mim! Por outro lado, minha vontade era tão forte que dominava a dor.”

Aliás, toda obra de salvação se realiza por meio do sacrifício, tendo como remate o martírio. Assim foi com Joana d’Arc, assim foi com Jesus Cristo. É para a personalidade dos mártires que se dirigem os pensamentos daqueles que sofrem, suportando grandes provações. São focos de energia e beleza moral ao calor através dos quais se aquecem as almas enregeladas pelo frio das adversidades.

Eis porque a vida de Joana projeta, através dos séculos, uma verdadeira cauda luminosa, esteira de luz que nos atrai para as regiões celestiais. Sua vida é realmente como um singelo reflexo da do Cristo. Como Ele, sofreu a injustiça e a crueldade dos homens. É evidente que Jesus é infinitamente maior, mas a vida da Virgem de Lorena tem um especial toque poético: ela era mulher, e como tal era sensível e terna. Guerreira, teve o dom de pacificar e unir. Até os ingleses, que a imolaram, hoje são os seus mais ardorosos partidários.

Por isso, a partir de agora, tocaremos, à guisa de hipótese, em um assunto extremamente delicado, apoiados na obra de José Fuzeira: “Judas Iscariotes e sua reencarnação como Joana d’Arc”. Reencarnando como Joana, Judas realmente estaria se redimindo de suas faltas e se redimindo perante a si e a Deus.

A princípio, tal idéia é realmente chocante, pois é-nos difícil comparar uma vida tão espetacular e cheia de personalidade como a da Pucelle com a imagem que todo mundo de Judas, conhecido como o traidor. Mas estaremos satisfeitos se, pelo menos, conseguirmos desfazer tal injustiça.

Afinal, o próprio Jesus nos ensinou: “Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Destarte, quem somos nós para criticar ou condenar a atitude de Judas?

Judas realmente cometeu traição, mas amava o seu Mestre e não esperava que os acontecimentos terminassem tão catastroficamente. Extremamente arrependido, ele não viu outra saída senão enforcar-se.

Ademais, saber como encarnou antes o espírito de Allan Kardec, Francisco de Assis ou qualquer outro grande nome da história, acaso diminui suas obras? O mesmo acontece com a Donzela de Orléans. Suas vidas pregressas, quaisquer que tenham sido, não tornam suas obras menores e nem a tornam menos bela e vitoriosa! Portanto, apresentamos tal hipótese à guisa de complementação interessante e exemplificação perfeita da lei de Causa e Efeito, ou Ação e Reação.

Todo espírita sabe que sofremos os males que causamos a outrem, Mesmo porque, a alma pecadora, cedo ou tarde, será afogueada pelo remorso, somente conseguindo ter paz quando resgatar sua falta. Não se trata de punição, mas de reeducação.

Por isso, quando Jesus, pregado na cruz no cimo do Calvário, pediu ao pai: “perdoai-lhes, Senhor, pois não sabem o que fazem”, não excluiu Judas. Todavia, mesmo tendo sido perdoado, é necessário que cada um colha o que plantou. A cada um conforme suas obras.

Após sua morte, Judas encontrou-se no plano espiritual extremamente aflito, abrasado pelo moral do remorso, assim permanecendo por longo tempo. Mas Deus não se esquece de nenhuma criatura e, quando ele já estava pronto, os espíritos evoluídos socorreram-no. Ele ainda teve diversas outras encarnações antes de se tornar Joana d’Arc, pois precisava de tempo para se preparar para as expiações redentoras e, afinal, são quase quinze séculos de diferença.

A ação de Joana no passado foi o início de uma renovação nacional, sob os preceitos de Jesus, que fora o início da renovação espiritual humana. Destaquemos, evidentemente sem o intuito de igualar, algumas das principais semelhanças entre a vida de Jesus Cristo e de Joana d’Arc:

Ambos nasceram em lares humildes. Jesus era filho de um simples carpinteiro e Joana era filha de um camponês.

Jesus, para cumprir a missão que Deus lhe confiara, teve que libertar-se do imenso afeto de sua dedicada mãe para partir em peregrinação. Joana também abandonou seu lar, o convívio e o afeto de seus queridos pais. Ambos não puderam dar-lhes satisfações.

Jesus, ainda criança, discutia e confundia os doutores da lei. Joana, apesar de jovem e analfabeta, mas inspirada pelo Alto, discutiu com os doutores da Igreja romana e também os confundiu com respostas surpreendentes.

Jesus foi perseguido em nome de Jeová. Joana foi perseguida pelos que diziam falar em nome de Deus.

Ambos foram vendidos pelos seus. Jesus previu sua paixão e morte, avisando seus discípulos que seria traído. Na igreja de Compiègne, Joana desabafa aos que lhe eram fiéis: “Bons amigos e queridos filhos, sabei que me traíram e me venderam. Dentro em breve, serei condenada à morte. Orai por mim!”

Jesus foi julgado e condenado pelo Sinédrio, o tribunal sagrado, presidido por Caifás e sem ter nenhum defensor. Joana foi julgada pelo tribunal eclesiástico, presidido pelo bispo de Beauvais, Pedro Cauchon, também sem direito à defesa.

Jesus foi flagelado no Pretório de Pôncio Pilatos. Joana foi flagelada com barbaridade e até tentaram violentá-la, atentando contra seu pudor e castidade.

Jesus baixou à Terra para salvar a Humanidade. Joana baixou à Terra para salvar a França. Abnegados, ambos foram sacrificados por uma causa de ordem coletiva.

Ambos, no momento crucial do martírio, antes de expirar, pediram perdão a Deus pelos seus algozes e supostos inimigos, que de tudo fizeram para sacrificá-los.

Jesus foi abandonado pelos seus compatriotas hebreus e também por alguns dos seus discípulos, além de traído por um apóstolo. Joana foi abandonada pelos próprios franceses e atraiçoada por alguns dos generais que batalharam com ela, sobretudo pelo rei que ela colocara ao trono.

Poderia haver, portanto, maneira melhor para que Judas Iscariotes resgatasse suas dívidas perante a justiça divina e a sua própria consciência, do que reencarnando como Joana d’Arc? Ora, a equivalência dos contrastes morais existentes entre a vida de Judas e a de Joana nos incita a crer que estas duas personalidades são, de fato, a mesma entidade espiritual, a mesma alma em duas encarnações diferentes. Primeiro o crime, depois a expiação e, por fim, a redenção.

Desta forma, o traidor dos tempos idos já é um espírito evoluído, acrisolado pela dor, tendo padecido quase todos os martírios infligidos a Jesus, pois escolheu provas idênticas a fim de alcançar sua redenção.

Por fim, transcreveremos os principais trechos da mensagem do espírito Humberto de Campos, o Irmão X, recebida pelo médium Chico Xavier em 19 de Abril de 1935, descrevendo seu encontro e diálogo com Judas:

“(…) Os espíritos podem vibrar em contacto direto com a história e buscando uma relação íntima com o passado vivo dos Lugares Santos. (…) Os espíritos apreciam, às vezes, não obstante o progresso que já alcançaram, volver atrás, visitando os sítios onde se engrandeceram ou prevaricaram. (…) Judas costuma vir à Terra, nos dias em que se comemora a Paixão de Nosso Senhor, meditando nos seus atos de antanho. (…)

Nas margens caladas do Jordão, não longe talvez do lugar sagrado, onde o Precursor (João Batista) batizou Jesus Cristo, divisei um homem sentado sobre uma pedra. (…)

– Sim! Sou Judas! – respondeu aquele homem triste, enxugando uma lágrima nas dobras de sua longa túnica. – Como o Jeremias das Lamentações, contemplo, às vezes, esta Jerusalém arruinada, meditando nos juízos dos homens transitórios. (…) Ora, eu era um dos apaixonados pelas idéias do Mestre, porém, o meu excessivo zelo pela doutrina fez-me sacrificar o seu fundador. Acima do meu coração eu via a política como única arma com a qual poderia triunfar; e que Jesus não obteria nenhuma vitória com o seu desprendimento pelas riquezas. (…) Planejei então uma revolta surda como se projeta hoje, na Terra, visando a queda de um chefe de Estado. (…) Entregando, pois, o Mestre a Caifás, não julguei que as cousas atingissem um fim tão lamentável; e ralado de remorsos, presumi que o suicídio era a única maneira de me redimir aos seus olhos.

– E chegou a salvar-se pelo arrependimento?

– Não! Não consegui. O remorso é uma força preliminar para os trabalhos reparadores. Depois de minha morte trágica submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus; e as minhas provas culminaram na fogueira inquisitorial, onde, imitando o Mestre, fui traído, vendido e usurpado. (…) Desde esse dia, em que me entreguei, por amor ao Cristo, a todos os tormentos e infâmias que me aviltavam, com resignação e piedade pelos meus verdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentindo na fronte o ósculo de perdão da minha própria consciência. (…) Pessoalmente, já estou saciado de justiça porque já fui absolvido pela minha consciência no tribunal dos suplícios redentores. Quanto ao Divino Mestre, infinita é a sua misericórdia e não só para mim, porque se recebi trinta moedas, vendendo-o aos seus algozes, há muitos séculos Ele está sendo criminosamente vendido no mundo, a grosso e a retalho, por todos os preços, em todos os padrões de ouro amoedado.

– É verdade! – concluí – e os novos negociadores do Cristo não se enforcam depois de vendê-lo.

Judas afastou-se tomando a direção do Santo Sepulcro e eu, confundido nas sombras invisíveis para o mundo, vi que no céu brilhavam algumas estrelas sobre as nuvens pardacentas e tristes, enquanto o Jordão rolava na sua quietude como um lençol de águas mortas procurando um mar morto.”

Humberto de Campos

humberto campos

Humberto de Campos

“Combater sem pesquisar, só é natural nos que não querem tornar conhecida a verdade”. (Humberto de Campos, jornalista)

Por muitos anos, um dos escritores mais lidos do Brasil, Humberto de Campos, à exceção dos espíritas, não é conhecido pelas novas gerações, que, no entanto, dele ouvem falar através de seus pais, que o classificam entre seus autores favoritos, despertando intensa curiosidade em torno de seu nome.

Suas crônicas diárias, publicadas em uma cadeia de jornais – entre eles A Tarde, daqui da Bahia –, emocionaram leitores de Norte a Sul.

O envolvimento dos leitores de Humberto de Campos com o que ele escrevia era tão grande que muitos lhe enviaram cartas, solicitando conselhos e orientações. E ele respondia de maneira impessoal, buscando a essência dos problemas que lhe chegavam, para com isso falar a milhões de pessoas. Consta que na Rua 7 de Abril (em São Paulo), por exemplo, juntava gente para ler a crônica que o Diário de São Paulo afixava na porta de vidro da sede dos Diários Associados, como agora junta defronte a uma loja durante uma disputada partida de futebol. Em entrevista a um jornal paulista, Humberto de Campos Filho, advogado e jornalista, comparou o sucesso das crônicas de seu pai ao capítulo de telenovela, hoje.

Para Humberto de Campos Filho, no entanto, as duas alavancas na aceitação de seu pai entre os leitores são justamente a perenidade de seus textos – “válidos em sua época, hoje, daqui a 50 anos” –, e o estilo fácil, sem preciosismo, discorrendo sobre temas atávicos: “Na coleção da Editora Opus, tive o prazer de fazer a biografia de meu pai, no primeiro volume. Na intimidade, ele estava longe da personalidade que o público venerou, mitificou. Era um sujeito introspectivo, soturno mesmo, que de vez em quando nos surpreendia com uma explosão de gargalhadas e humor, extravasando toda verve que punha no papel. Raros momentos, inesquecíveis”.

Da poesia ao conto – reconhecido por seu filho como “um gênero no qual ele foi magistral” –, Humberto de Campos também produziu ensaios, crítica literária e memoriais.

Filho de Joaquim Gomes de Farias Veras, pequeno comerciante, e Ana de Campos Veras, provecta professora pública, que lhe sobreviveu por vários anos. Humberto de Campos Veras, jornalista, político, crítico, cronista, contista, poeta, biógrafo e memorialista, nasceu em Miritiba, hoje Humberto de Campos (Maranhão), em 25 de outubro de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro (então Distrito Federal e Capital da República), em 5 de dezembro de 1934. Eleito em 30 de outubro de 1919 para a Cadeira n. 20, sucedendo a Emílio de Menezes, foi recebido em 8 de maio de 1920, pelo acadêmico Luís Murat.

A perda de seu pai aos seis anos, marcou a sua infância pelo sofrimento, resultado das privações, circunstância que, certamente, muito contribuiu para desenvolver-lhe a inteligência e aprimorar-lhe as qualidades morais.

“A nossa mudança de Miritiba, onde meu pai era tudo e não nos faltava nada, para Parnaíba, onde éramos nada e nos faltava tudo, começou a influir, muito cedo, na formação do meu caráter. Eu reconhecia intimamente a inferioridade da minha condição”.

Com a pobreza que se abateu sobre sua família, sua mãe viu-se obrigada a empregá-lo inicialmente, em uma casa comercial de miudezas, de um tio. Posteriormente, como aprendiz de alfaiate. O futuro acadêmico passou a servir de criado para os mais antigos da casa, tendo algumas vezes realizado o serviço de entregador de roupas. Depois foi auxiliar de balconista e de tipógrafo, nas oficinas de “O Comercial”, em Parnaíba, Piauí, para onde se tinha mudado.

Aos 14 anos, parte para São Luís do Maranhão, onde se emprega na “Casa Transmontana”, tentando melhorar de vida. Exerceu funções as mais humildes, inclusive a de lavador de garrafas, na qual trabalhava na noite da virada do século. Segue, três anos depois, para Belém do Pará. Luta muito, chega a passar fome, mas consegue finalmente empregar-se e vai trabalhar nos seringais amazônicos, onde adquire febre palustre. Retornando a Belém do Pará, começa a colaborar na imprensa, denunciando as injustiças sofridas pelos miseráveis seringueiros, chamando a atenção do público e das autoridades.

Começa, para ele, então, uma nova fase, onde haveria de alçar vôo condoreiro aos galarins do jornalismo e da política. Fez-se, a curto prazo, secretário da Prefeitura e redator-chefe da “Província do Pará”, o maior jornal do estado. Lança, em 1910, a coletânea de versos Poeira, primeira série. Em 1912, após sérios acontecimentos na política local, que terminam com um levante a mão armada, Antônio Lemos, proprietário do jornal, prefeito de Belém e seu protetor, cai em desgraça e Humberto passa a sofrer sérias ameaças, precisando refugiar-se no Arsenal da Marinha, de Belém, daí fugindo para o Rio de Janeiro, onde procura Coelho Neto, de quem era admirador e se tornara amigo até o fim da vida. Vai trabalhar na “Gazeta de Notícias”, passando depois para “O Imparcial”, na fase em que ali trabalhava um grupo de escritores ilustres, como redatores ou colaboradores, entre os quais Goulart de Andrade, Rui Barbosa, José Veríssimo, Júlia Lopes de Almeida, Salvador de Mendonça e Vicente de Carvalho. João Ribeiro era o crítico literário. Ali também José Eduardo de Macedo Soares renovava a agitação da segunda campanha civilista. Humberto de Campos ingressou no movimento. Logo depois o jornalista militante deu lugar ao intelectual. Fez essa transição com o pseudônimo de “Conselheiro X.X.” com que assinava contos e crônicas, hoje reunidos em vários volumes, fazendo todo o Brasil sorrir, tendo início, assim, a sua imensa popularidade. Assinava também com os pseudônimos Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Em 1923, substituiu Múcio Leão na coluna de crítica do Correio da Manhã.

Em 1918, publica o seu primeiro livro de crônicas, “Da Seara de Booz” e, no ano seguinte, um livro de contos humorísticos, “Vale de Josaphat”.

O renome, que rapidamente alcançou nos meios literários, granjeou-lhe o sonhado acesso à Academia Brasileira de Letras, aos 33 anos de idade, eleito em 30 de outubro de 1919 para a Cadeira n. 20, sucedendo a Emílio de Menezes, foi recebido em 8 de maio de 1920, pelo acadêmico Luís Morton Barreto Murat (Jornalista e poeta, RJ, 04/05/1861 – 03/07/1920).

Em 1920, já acadêmico, foi eleito deputado federal pelo Maranhão. A revolução de 1930 dissolveu o Congresso e ele perdeu seu mandato. O presidente Getúlio Vargas, que era grande admirador do talento de Humberto de Campos, procurou minorar as dificuldades do autor de Poeira, dando-lhe os lugares de inspetor de ensino e de diretor da Casa de Rui Barbosa. Em 1923, substituiu Múcio Leão na coluna de crítica do Correio da Manhã.

Em 1933 publicou o livro que se tornou o mais célebre de sua obra, Memórias, crônica dos começos de sua vida. O seu Diário secreto, de publicação póstuma, provocou grande escândalo pela irreverência e malícia em relação a contemporâneos.

“Autodidata, grande ledor, acumulou vasta erudição, que usava nas crônicas. Poeta neoparnasiano, fez parte do grupo da fase de transição anterior a 1922. Poeira é um dos últimos livros da escola parnasiana no Brasil. Fez também crítica literária de natureza impressionista. É uma crítica de afirmações pessoais, que não se fundamentam em critérios e, por isso, não podem ser endossadas nem verificadas. Na crônica, seu recurso mais corrente era tomar conhecidas narrativas e dar-lhes uma forma nova, fazendo comentários e digressões sobre o assunto, citando anedotas e tecendo comparações com outras obras”, informa a ABL, hoje. Todavia, segundo o crítico Mário Pontes, nenhum autor brasileiro foi tão popular em vida quanto Humberto de Campos. Depois do seu desencarne, o nível dessa popularidade levou uns 10 anos para baixar, voltou a subir, quando a revista “O Cruzeiro” pôs-se a publicar em fascículos o “Diário Secreto” que o escritor havia confiado à Academia Brasileira de Letras, com a recomendação de que só fosse revelado em 1950. Finda a maré do Diário, Humberto saiu novamente de foco, até transformar-se em um quase desconhecido para as gerações atuais.

Parnasiano em poesia, um tanto precioso no conto, Humberto de Campos era quase sempre simples e fluente quando escrevia para jornal. Especialmente se tratava de assuntos do cotidiano.

Fruto de uma grande capacidade de observação, as crônicas atraíam pelo calor humano que as envolvia (salvo as picarescas, que assinava com o pseudônimo de Conselheiro X.X.). A reação dos leitores era, não raro, fazer filas diante das redações dos jornais que as publicavam em várias cidades do País e escrever dezenas de cartas diárias ao autor, não só para aplaudi-lo, mas também para aconselhar-se com ele.

“Por trás dos textos de Humberto de Campos – homem taciturno e sofrido, como relembra seu filho – havia quase sempre um pedaço de experiência pessoal fazendo ponte com os sentimentos do leitor. Menino pobre de uma das cidades mais pobres do País, no litoral maranhense, teve de abrir caminho por si mesmo. Na Amazônia, à luz de um lampião, copiou um dicionário em papel de embrulho, porque não tinha com que comprar um exemplar.

Morreu, numa mesa de operação, pobre, deixando de herança apenas uma extensa obra (40 volumes), mas muito sujeita à erosão do tempo, pois não teve tempo para produzir os textos com que sonhava (romances) e que a tornariam mais sólida” – escreveu Mário Pontes.

Mas, declara Almir Oliveira, “ao nosso ver, com a criação do Conselheiro X.X., Humberto desejou, simultaneamente, projetar-se e divertir. Soube explorar, com habilidade e graça, os fatos mundanos. Abandonou-o quando achou necessário deixá-lo, mas já estava, neste momento, conhecido e consagrado nacionalmente. Conceituado como poeta e anedotista, tinha um público que lhe era fiel e seguiria os seus passos, quaisquer que fossem os caminhos trilhados”. Sabia disso e o confessa no Diário Secreto: “Evidentemente, eu tenho uma vantagem, como escritor. E essa vantagem consiste nisso: eu tenho um público”.

Em 1934, Humberto de Campos, viajou ao Prata em missão de intercâmbio cultural, como representante do governo brasileiro. Aproveita sua passagem por Buenos Aires, Argentina, para fazer uma consulta médica com famoso especialista, pois já sofre, e muito, da hipófise, além de outros males.

Dia a dia suas enfermidades se agravam. De todo o Brasil lhe chegam cartas, levando esperanças, trazendo conforto, dando e pedindo conselhos os mais diversos. Enfraquecido pela desventura de sua condição física, nunca, contudo, desanimado, Humberto busca fazer dos seus sofrimentos um bálsamo para outros sofredores. Seu estilo torna-se límpido, puro, coloquial. Produz, então, as suas mais belas crônicas; dá, a todos os infelizes, os melhores conselhos, as maiores esperanças, despertando-lhes, assim, pela palavra e pelo exemplo, a alegria pela vida.

Na triste manhã de 5 de dezembro de 1934, Humberto de Campos, desprende-se da armadura de carne, retornando à verdadeira vida.

HUMBERTO DE CAMPOS – ESPÍRITO

“A sepultura não é a porta do céu, nem a passagem para o inferno. É o bangalô subterrâneo das células cansadas – silencioso depósito do vestuário apodrecido.

O homem não encontrará na morte mais do que vida e, no misterioso umbral, a grande surpresa é o encontro de si mesmo.

Falar, pois, de homens e espíritos, como se fossem expoentes de duas raças antagônicas, vale por falsa concepção das realidades eternas.

É necessário, portanto, recordar que a existência humana é oportunidade preciosa no aprendizado para a vida eterna”.

(Reportagens de Além-Túmulo, 1943.)

Pouco tempo depois de desencarnado, Humberto de Campos começou a manifestar-se, com aquela mesma pujança de estilo, que o caracterizava, através do famoso médium Francisco Cândido Xavier, então residente em Pedro Leopoldo, Minas Gerais.

Tanto assim é que, a 26 de junho de 1937, portanto dois anos e meio após o decesso, o Espírito Humberto de Campos ultimava a transmissão, através do mencionado sensitivo, de sua primeira obra, intitulada “Crônicas de Além-Túmulo”, da qual já foram feitas inúmeras edições.

Foi, evidentemente, autêntica clarinada, conclamando cépticos, descrentes e negativistas a meditarem nas realidades da vida eterna e da comunicabilidade dos Espíritos. Constituiu, também, a obra, um trabalho precursor, preparatório do advento da seguinte, pelo mesmo instrumento medianímico, “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, igualmente editada pela Federação Espírita Brasileira, em 1938.

Vieram, em seguimento: “Novas Mensagens”, em 1940; “Boa Nova”, em 1941; e “Reportagens de Além-Túmulo”, em 1943.

Verifica-se, por essa época, a ocorrência de ruidoso processo, no Rio de Janeiro, em que se pretendia, por intermédio de ação própria, obter que fosse declarado, por sentença, “se a obra literária era ou não do Espírito Humberto de Campos”.

A extensa documentação contestatória, enfeixada em volume de 408 páginas, saiu a lume em 1944 (Timponi, Miguel. “A Psicografia ante os Tribunais”, FEB), sendo decidido haver carência de ação, o que foi confirmado na Superior Instância.

A partir dessa época, não mais foram transmitidas obras sob a chancela de Humberto de Campos, evidentemente com o propósito de evitar contendas.

Começaram, porém, a surgir obras com aquele mesmo e inconfundível estilo, tão apreciado por seus leitores, autenticadas, simplesmente, por Irmão X, versão evangelizada do “Conselheiro X.X.”.

A partir daí, foram dadas à publicidade, pela editora da Federação Espírita Brasileira: “Lázaro Redivivo”, 1945; “Luz Acima”, 1948; “Pontos e Contos”, 1951; e “Contos e Apólogos”, 1958.

Nessa época, o médium transferiu residência para Uberaba, no mesmo Estado Minas Gerais, onde foram recebidas mais as seguintes obras, todas assinadas por Irmão X e publicadas pela FEB: “Contos desta e doutra Vida”, 1964; “Cartas e Crônicas”, 1966; e “Estante da Vida”, 1969.

Todas as obras citadas dispensam quaisquer comentários quanto à preferência dos leitores, por sua vez, eloqüente atestado do valor evangélico e literário das produções.

herculano pires

Herculano Pires

Herculano Pires, nasceu na cidade de Avaré, no estado de São Paulo a 25/09/1914, e desencarnou nesta capital em 09/03/1979. Filho do farmacêutico José Pires Correia e da pianista Bonina Amaral Simonetti Pires. Fez seus primeiros estudos em Avaré, Itaí e Cerqueira César. Revelou sua vocação literária desde que começou a escrever. Aos 9 anos fez o seu primeiro soneto, um decassílabo sobre o Largo São João, da sua cidade natal. Aos 16 anos publicou seu primeiro livro, “Sonhos Azues” (contos), e aos 18 anos o segundo livro, “Coração” (poemas livres e sonetos). Já possuía seis cadernos de poemas na gaveta, colaborava nos jornais e revistas da época, da província de São Paulo e do Rio. Teve vários contos publicados com ilustrações na Revista da Semana e no Malho…

Foi um dos fundadores da União Artística do Interior (UAI), que promoveu dois concursos literários, um de poemas pela sede da UAI em Cerqueira César, e outro de contos pela Seção de Sorocaba. Mário Graciotti o incluiu entre os colaboradores permanentes da seção literária de A Razão, em São Paulo, que publicava um poema de sua autoria todos os domingos. Transformou (1928) o jornal político de seu pai em semanário literário e órgão da UAI. Mudou-se para Marília em 1940 (com 26 anos), onde adquiriu o jornal “Diário Paulista” e o dirigiu durante seis anos. Com José Geraldo Vieira, Zoroastro Gouveia, Osório Alves de Castro, Nichemaja Sigal, Anthol Rosenfeld e outros promoveu, através do jornal, um movimento literário na cidade e publicou “Estradas e Ruas” (poemas) que Érico Veríssimo e Sérgio Millet comentaram favoravelmente. Em 1946 mudou-se para São Paulo e lançou seu primeiro romance, “O Caminho do Meio”, que mereceu críticas elogiosas de Afonso Schimidt, Geraldo Vieira e Wilson Martins. Repórter, redator, secretário, cronista parlamentar e crítico literário dos Diários Associados. Exerceu essas funções na Rua 7 de Abril por cerca de trinta anos. Autor de 81 livros de Filosofia, Ensaios, Histórias, Psicologia, Pedagogia, Parapsicologia, Romances e Espiritismo, vários em parceria com Chico Xavier, sendo a maioria inteiramente dedicada ao estudo e divulgação da Doutrina Espírita… Lançou a série de ensaios Pensamento da Era Cósmica e a série de romances e novelas de Ficção Científica Paranormal. Alegava sofrer de grafomania, escrevendo dia e noite. Não tinha vocação acadêmica e não seguia escolas literárias. Seu único objetivo era comunicar o que achava necessário, da melhor maneira possível. Graduado em Filosofia pela USP em 1958, publicou uma tese existencial: “O Ser e a Serenidade”. De 1959 a 1962, exerceu a cadeira de filosofia da educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara.

Foi membro titular do Instituto Brasileiro de Filosofia, seção de São Paulo, onde lecionou psicologia. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo de 1957 a 1959. Foi professor de Sociologia no curso de jornalismo ministrado pelo Sindicato.

José Herculano Pires foi presidente e professor do Instituto Paulista de Parapsicologia de São Paulo. Organizou e dirigiu cursos de Parapsicologia para os Centros Acadêmicos: da Faculdade de Medicina da USP, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, da Escola Paulista de Medicina e em diversas cidades e colégios do interior.

Fundou o Clube dos Jornalistas Espíritas de São Paulo em 23/01/1948. O Clube funcionou por 22 anos. Herculano foi membro da Academia Paulista de Jornalismo onde ocupou a Cadeira “Cornélio Pires” em 1964.

Herculano pertenceu também a União Brasileira de Escritores, onde exerceu o cargo de Diretor e Membro do Conselho no ano de 1964.

José Herculano Pires foi Chefe do Sub-Gabinete da Casa Civil da Presidência da República no governo do Sr. Jânio Quadros no ano de 1961, onde permaneceu até a renuncia do mesmo.

Espírita desde a idade de 22 anos não poupou esforço na divulgação falada e escrita da Doutrina Codificada por Allan Kardec, tarefa essa à qual dedicou a maior parte da sua vida. Durante 20 anos manteve uma coluna diária de Espiritismo nos Diários Associados com o pseudônimo de Irmão Saulo.

Durante quatro anos manteve no mesmo jornal uma coluna em parceria com Chico Xavier sob o título “Chico Xavier pede Licença”. Foi Diretor fundador da revista “Educação Espírita” publicada pela Edicel.

Em 1954 publicou Barrabás, que recebeu um prêmio do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, constituindo o primeiro volume da Trilogia Caminhos do Espírito.

Publicou em 1975, Lázaro e com o romance Madalena concluiu a Trilogia.

Traduziu cuidadosamente as obras da Codificação Kardecista enriquecendo-as com notas explicativas nos rodapés. Essas traduções foram doadas a diversas editoras espíritas no Brasil, Portugal, Argentina e Espanha.

Colaborou com o Dr. Júlio Abreu Filho na tradução da Revista Espírita.

Ao desencarnar deixou vários originais os quais vêm sendo publicados pela Editora Paidéia

Extraído de http://www.editorapaideia.com.br
Direitos Reservados

camille flammarion

Camille Flammarion

Nascido em Montigny- Le-Roy, França, no dia 26 de fevereiro de 1842, e desencarnado em Juvissy no mesmo país, a 4 de junho de 1925.

Flammarion foi um homem cujas obras encheram de luzes o século XIX. Ele era o mais velho de uma família de quatro filhos, entretanto, desde muito jovem se revelaram nele qualidades excepcionais. Queixava- se constantemente que o tempo não lhe deixava fazer um décimo daquilo que planejava. Aos quatro anos de idade já sabia ler, aos quatro e meio sabia escrever e aos cinco já dominava rudimentos de gramática e aritmética. Tornou- se o primeiro aluno da escola onde freqüentava.

Para que ele seguisse a carreira eclesiástica, puseram- no a aprender latim com o vigário Lassalle. Aí Flammarion conheceu o Novo Testamento e a Oratória. Em pouco tempo estava lendo os discursos de Massilon e Bonsuet. O padre Mirbel falou da beleza da ciência e da grandeza da Astronomia e mal sabia que um de seus auxiliares lhe bebia as palavras. Esse auxiliar era Camille Flammarion, aquele que iria ilustrar a letra e a significação galo- romana do seu nome — Flammarion: “Aquele que leva a luz”.

Nas aulas de religião era ensinado que uma só coisa é necessária: “a salvação da alma”, e os mestres falavam: “De que serve ao homem conquistar o Universo se acaba perdendo a alma?”.

Foi dura a vida dos Flammarions, e Camille compreendeu o mérito de seu pai entregando tudo aos credores. Reconhecia nele o mais belo exemplo de energia e trabalho, entretanto, essa situação levou- o a viver com poucos recursos.

Camille, depois de muito procurar, encontrou serviço de aprendiz de gravador, recebendo como parte do pagamento casa e comida. Comia pouco e mal, dormia numa cama dura, sem o menor conforto; era áspero o trabalho e o patrão exigia que tudo fosse feito com rapidez. Pretendia completar seus estudos, principalmente a matemática, a língua inglesa e o latim. Queria obter o bacharelado e por isso estudava sozinho à noite. Deitava- se tarde e nem sempre tinha vela. Escrevia ao clarão da lua e considerava- se feliz. Apesar de estudar à noite, trabalhava de 15 a 16 horas por dia. Ingressou na Escola de desenho dos frades da Igreja de São Roque, a qual freqüentava todas as quintas- feiras. Naturalmente tinha os domingos livres e tratou de ocupá-los. Nesse dia assistia as conferências feitas pelo abade sobre Astronomia. Em seguida tratou de difundir as associações dos alunos de desenho dos frades de São Roque, todos eles aprendizes residentes nas vizinhanças. Seu objetivo era tratar de ciências, literatura e desenho, o que era um programa um tanto ambicioso.

Aos 16 anos de idade, Camille Flammarion foi presidente da Academia, a qual, ao ser inaugurada, teve como discurso de abertura o tema “As Maravilhas da Natureza”. Nessa mesma época escreveu “Cosmogonia Universal”, um livro de quinhentas páginas; o irmão, também muito seu amigo, tomou- se livreiro e publicava- lhe os livros. A primeira obra que escreveu foi “O Mundo antes da Aparição dos Homens”, o que fez quando tinha apenas 16 anos de idade. Gostava mais da Astronomia do que da Geologia. Assim era sua vida: passar mal, estudar demais, trabalhar em exagero.

Um domingo desmaiou no decorrer da missa, por sinal, um desmaio muito providencial. O doutor Edouvard Fornié foi ver o doente. Em cima da sua cabeceira estava um manuscrito do livro “Cosmologia Universal”. Após ver a obra, achou que Camille merecia posição melhor. Prometeu- lhe, então, colocá-lo no Observatório, como aluno de Astronomia. Entrando para o Observatório de Paris, do qual era diretor Levèrrier, muito sofreu com as impertinências e perseguições desse diretor, que não podia conceber a idéia de um rapazola acompanhá-lo em estudos de ordem tão transcendental.

Retirando- se em 1862 do Observatório de Paris, continuou com mais liberdade os seus estudos, no sentido de legar à Humanidade os mais belos ensinamentos sobre as regiões silenciosas do Infinito. Livre da atmosfera sufocante do Observatório, publicou no mesmo ano a sua obra “Pluralidade dos Mundos Habitados”, atraindo a atenção de todo o mundo estudioso. Para conhecer a direção das correntes aéreas, realizou, no ano de 1868, algumas ascensões aerostáticas.

Pela publicação de sua “Astronomia Popular”, recebeu da Academia Francesa, no ano de 1880, o prêmio Montyon. Em 1870 escreveu e publicou um tratado sobre a rotação dos corpos celestes, através do qual demonstrou que o movimento de rotação dos planetas é uma aplicação da gravidade às suas densidades respectivas. Tornando- se espírita convicto, foi amigo pessoal e dedicado de Allan Kardec, tendo sido o orador designado para proferir as últimas palavras à beira do túmulo do Codificador do Espiritismo, a quem denominou “o bom senso encarnado”.

Suas obras, de uma forma geral, giram em torno do postulado espírita da pluralidade dos mundos habitados e são as seguintes: “Os Mundos Imaginários e os Mundos Reais”, “As Maravilhas Celestes”, “Deus na Natureza”, “Contemplações Científicas”, “Estudos e Leitura sobre Astronomia”, “Atmosfera”, “Astronomia Popular”, “Descrição Geral do Céu”, “O Mundo antes da Criação do Homem”, “Os Cometas”, “As Casas Mal- Assombradas”, “Narrações do Infinito”, “Sonhos Estelares”, “Urânia”, “Estela”, “O Desconhecido”, “A Morte e seus Mistérios”, “Problemas Psíquicos”, “O Fim do Mundo” e outras.

Camille Flammarion, segundo Gabriel Delanne, foi um filósofo enxertado em sábio, possuindo a arte da ciência e a ciência da arte. Flammarion–“poeta dos Céus”, como o denominava Michelet — tornou- se baluarte do Espiritismo, pois, sempre coerente com suas convicções inabaláveis, foi um verdadeiro idealista e inovador.

euripedes barsanulfo

Eurípedes Barsanulfo

Nascido em 1º de maio de 1880, na pequena cidade de Sacramento, Estado de Minas Gerais, e desencarnado na mesmo cidade, aos 38 anos de idade, em 1o. de novembro de 1918.

Logo cedo manifestou- se nele profunda inteligência e senso de responsabilidade, acervo conquistado naturalmente nas experiências de vidas pretéritas.

Era ainda bem moço, porém muito estudioso e com tendências para o ensino, por isso foi incumbido pelo seu mestre- escola de ensinar aos próprios companheiros de aula. Respeitável representante político de sua comunidade, tornou- se secretário da Irmandade de São Vicente de Paula, tendo participado ativamente da fundação do jornal “Gazeta de Sacramento” e do “Liceu Sacramentano”. Logo viu- se guindado à posição natural de líder, por sua segura orientação quanto aos verdadeiros valores da vida.

Através de informações prestadas por um dos seus tios, tomou conhecimento da existência dos fenômenos espíritas e das obras da Codificação Kardequiana. Diante dos fatos voltou totalmente suas atividades para a nova Doutrina, pesquisando por todos os meios e maneiras, até desfazer totalmente suas dúvidas.

Despertado e convicto, converteu- se sem delongas e sem esmorecimentos, identificando-se plenamente com os novos ideais, numa atitude sincera e própria de sua personalidade, procurou o vigário da Igreja matriz onde prestava sua colaboração, colocando à disposição do mesmo o cargo de secretário da Irmandade.

Repercutiu estrondosamente tal acontecimento entre os habitantes da cidade e entre membros de sua própria família. Em poucos dias começou a sofrer as conseqüências de sua atitude incompreendida.

Persistiu lecionando e entre as matérias incluiu o ensino do Espiritismo, provocando reação em muitas pessoas da cidade, sendo procurado pelos pais dos alunos, que chegaram a oferecer- lhe dinheiro para que voltasse atrás quanto à nova matéria e, ante sua recusa, os alunos foram retirados um a um.

Sob pressões de toda ordem e impiedosas perseguições, Eurípedes sofreu forte traumatismo, retirando- se para tratamento e recuperação em uma cidade vizinha, época em que nele desabrocharam várias faculdades mediúnicas, em especial a de cura, despertando- o para a vida missionária. Um dos primeiros casos de cura ocorreu justamente com sua própria mãe que, restabelecida, se tornou valiosa assessora em seus trabalhos.

A produção de vários fenômenos fez com que fossem atraídas para Sacramento centenas de pessoas de outras paragens, abrigando- se nos hotéis e pensões, e até mesmo em casas de famílias, pois a todos Barsanulfo atendia e ninguém saía sem algum proveito, no mínimo o lenitivo da fé e a esperança renovada e, quando merecido, o benefício da cura, através de bondosos Benfeitores Espirituais.

Auxiliava a todos, sem distinção de classe, credo ou cor e, onde se fizesse necessária a sua presença, lá estava ele, houvesse ou não condições materiais.

Jamais esmorecia e, humildemente, seguia seu caminho cheio de percalços, porém animado do mais vivo idealismo. Logo sentiu a necessidade de divulgar o Espiritismo, aumentando o número dos seus seguidores. Para isso fundou o “Grupo Espírita Esperança e Caridade”, no ano de 1905, tarefa na qual foi apoiado pelos seus irmãos e alguns amigos, passando a desenvolver trabalhos interessantes, tanto no campo doutrinário, como nas atividades de assistência social.

Certa ocasião caiu em transe em meio dos alunos, no decorrer de uma aula. Voltando a si, descreveu a reunião havida em Versailles, França, logo após a I Guerra Mundial, dando os nomes dos participantes e a hora exata da reunião quando foi assinado o célebre tratado.

Em 1o. de abril de 1907, fundou o Colégio Allan Kardec, que se tornou verdadeiro marco no campo do ensino. Esse instituto de ensino passou a ser conhecido em todo o Brasil, tendo funcionado ininterruptamente desde a sua inauguração, com a média de 100 a 200 alunos, até o dia 18 de outubro, quando foi obrigado a cerrar suas portas por algum tempo, devido à grande epidemia de gripe espanhola que assolou nosso país.

Seu trabalho ficou tão conhecido que, ao abrirem- se as inscrições para matrículas, as mesmas se encerravam no mesmo dia, tal a procura de alunos, obrigando um colégio da mesma região, dirigido por freiras da Ordem de S. Francisco, a encerrar suas atividades por falta de freqüentadores.

Liderado a pulso forte, com diretriz segura, robustecia- se o movimento espírita na região e esse fato incomodava sobremaneira o clero católico, passando este, inicialmente de forma velada e logo após, declaradamente, a desenvolver uma campanha difamatória envolvendo o digno missionário e a doutrina de libertação, que foi galhardamente defendida por Eurípedes, através das colunas do jornal “Alavanca”, discorrendo principalmente sobre o tema: “Deus não é Jesus e Jesus não é Deus”, com argumentação abalizada e incontestável, determinando fragorosa derrota dos seus opositores que, diante de um gigante que não conhecia esmorecimento na luta, mandaram vir de Campinas, Estado de S. Paulo, o reverendo Feliciano Yague, famoso por suas pregações e conhecimentos, convencidos de que com suas argumentações e convicções infringiriam o golpe derradeiro no Espiritismo.

Foi assim que o referido padre desafiou Eurípedes para uma polêmica em praça pública, aceita e combinada em termos que foi respeitada pelo conhecido apóstolo do bem.

No dia marcado o padre iniciou suas observações, insultando o Espiritismo e os espíritas, “doutrina do demônio e seus adeptos, loucos passíveis das penas eternas”, numa demonstração de falso zelo religioso, dando assim testemunho público do ódio, mostrando sua alma repleta de intolerância e de sectarismo.

A multidão que se mantinha respeitosa e confiante na réplica do defensor do Espiritismo, antevia a derrota dos ofensores, pela própria fragilidade dos seus argumentos vazios e inconsistentes.

O missionário sublime, aguardou serenamente sua oportunidade, iniciando sua parte com uma prece sincera, humilde e bela, implorando paz e tranqüilidade para uns e luz para outros, tornando o ambiente propício para inspiração e assistência do plano maior e em seguida iniciou a defesa dos princípios nos quais se alicerçavam seus ensinamentos.

Com delicadeza, com lógica, dando vazão à sua inteligência, descortinou os desvirtuamentos doutrinários apregoados pelo Reverendo, reduzindo- o à insignificância dos seus parcos conhecimentos, corroborado pela manifestação alegre e ruidosa da multidão que desde o princípio confiou naquele que facilmente demonstrava a lógica dos ensinos apregoados pelo Espiritismo.

Ao terminar a famosa polêmica e reconhecendo o estado de alma do Reverendo, Eurípedes aproximou- se dele e abraçou- o fraterna e sinceramente, como sinceros eram seus pensamentos e suas atitudes.

Barsanulfo seguiu com dedicação as máximas de Jesus Cristo até o último instante de sua vida terrena, por ocasião da pavorosa epidemia de gripe que assolou o mundo em 1918, ceifando vidas, espalhando lágrimas e aflição, redobrando o trabalho do grande missionário, que a previra muito antes de invadir o continente americano, sempre falando na gravidade da situação que ela acarretaria.

Manifestada em nosso continente, veio encontrá-lo à cabeceira de seus enfermos, auxiliando centenas de famílias pobres. Havia chegado ao término de sua missão terrena. Esgotado pelo esforço despendido, desencarnou no dia 1o. de novembro de 1918, às 18 horas, rodeado de parentes, amigos e discípulos.

Sacramento em peso, em verdadeira romaria, acompanhou- lhe o corpo material até a sepultura, sentindo que ele ressurgia para uma vida mais elevada e mais sublime.

Texto extraído de http://www.espirito.com.br/portal/biografias/

Grandes Vultos do Espiritismo

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Gabriel Delanne

Virada de século, virada de milênio, ótima oportunidade para refletir e analisar as diversas contribuições feitas no século XX ao Espiritismo e as chamadas ciências do espírito. Gabriel Delanne (juntamente a Leon Denis) marca a transição do Espiritismo do século XIX, influenciado pela presença de Kardec, para o Espiritismo do início do século XX, buscando sua afirmação científica, tentando empolgar os homens de ciência da época. Nascido em Paris, no dia 23 de março de 1857 – no mesmo ano da publicação de “O Livro dos Espíritos” – Delanne foi (juntamente com Leon Denis) o discípulo mais próximo de Alan Kardec. Além disso foi provavelmente a 1a grande personagem espírita nascida em uma família espírita. Apenas para recordar, Allan Kardec tomo conhecimento dos fenômenos espíritas aos 50 anos e Leon Denis era adolescente quando ouviu falar pela 1a vez do Espiritismo. Gabriel Delanne nasceu em família espírita, seu pai Alexandre Delanne acompanhou de perto os trabalhos de Allan Kardec tendo formado um pequeno grupo familiar de estudos espíritas tendo como médium escrevente sua esposa (e mão de Gabriel) Alexandrine Delanne.

Portanto desde criança Gabriel Delanne estava familiarizado com o vocabulário espiritista e assistiu desde muito pequeno a numerosas sessões espíritas. Delanne, inclusive, travou contato com o mestre Kardec na sua infância – Kardec faleceu quando Delanne tinha 12 anos de idade.

Uma vida atribulada e sofrida

Gabriel Delanne iniciou seus estudos no colégio Cluny (em Saone-et-Loire), depois no colégio de Grau (em Haute-Soane) e aos 19 anos ingressou na Escola Central das Artes e Manufatura. Como a situação financeira de seus pais não permitiu a conclusão de seus estudos começou a trabalhar na Companhia de Ar Comprimido e de Eletricidade Popp onde esteve até 1892, dividindo seu tempo entre seu trabalho e sua dedicação ao Espiritismo.

Delanne não gozava de boa saúde. De menino tinha um abcesso no olho esquerdo – pelo qual foi isento do serviço militar – o qual resultou numa infeção que iria progressivamente prejudicar sua visão. No curso dos anos seu estado de saúde foi se agravando. Em 1906 a paralisia dos membros inferiores obrigava-o a andar com duas bengalas. Nem por isso abandonou as conferências na França e no exterior, sempre divulgando as idéias espíritas. No período da 1a guerra (1914/18) a saúde de Delanne piorou ainda mais. Cada movimento era um grande sofrimento e ainda por cima ficou cego. Em 1918 já não conseguia mais andar sendo necessário o uso de cadeira de rodas. Não obstante todos esse sofrimento físico continuou produzindo incessantemente, retirado na vila de Montmorency onde Jean Myer lhe havia dado asilo.

Sua morte se deu em 15 de fevereiro de 1926, aos 69 anos de idade. Sua sepultura se encontra no famoso cemitério parisiense de Pere Lachaise.

Contribuições ao Espiritismo

Como já dito Gabriel Delanne marcou a transição e a continuação da obra de Kardec. Defensor ferrenho do caráter cientifico da Doutrina Espírita dedicou a maior parte de seus esforços na luta por consolidar o Espiritismo como uma ciência estabelecida e complementar às outras. Foi presidente da União Espírita Francesa, presidente da Sociedade de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, fundador e diretor da Revista Cientifica e Moral de Espiritismo. Escritor de grande talento dentre suas principais obras destacam-se:

O Espiritismo Perante a Ciência, O Fenômeno Espírita, A Evolução Anímica,

A Reencarnação, A Alma é Imortal, Katie King, As Materializações da Vila Carmen

Marcam suas obras a defesa ferrenha dos conceitos espíritas e o combate ao materialismo. Utilizando o método racional empregado na época, faz uso de casos e observações para comprovar suas hipóteses. Apesar de aceitar a revelação dos espíritos, sempre procurou a comprovação através dos fatos.

No meu entender sua maior contribuição ao Espiritismo foi a tese do Perispírito. Se o conceito do Perispírito havia sido introduzido por Allan Kardec, foi Delanne quem o definiu, estudou e atribuiu diversas funções na economia corporal e espiritual. Vitalista, atribui ao perispírito a resposta às questões pendentes de sua época:

Como explicar a vida? Por que se morre? Como a estabilidade orgânica é mantida frente a renovação celular constante? Como explicar a ação inteligente da alma sobre o corpo? Onde se localiza a memória? Como se dá a evolução anímica?

Para todas esses questões Delanne ofereceu como resposta a existência do Perispírito, suas características e funções. Além disso desenvolveu brilhante explicação acerca dos fenômenos espíritas, novamente utilizando o Perispírito como peça central, sempre ressaltando que o Espiritismo não tinha nada de sobrenatural e se calcava em bases naturais, ou seja, na existência desse corpo físico, porém etéreo, ponte entre a alma e o corpo físico. Introduziu também com muita força a noção do fluido vital. Finalmente atribuiu ao Perispírito a sede da memória, estabelecendo assim uma ligação entre a reencarnação e a evolução anímica.

De certa forma todo o desenvolvimento científico tentado por diversos autores espíritas, como André Luiz e Hernani G. Andrade, baseiam-se nos postulados de Delanne. É mister admitir que o progresso da ciência demonstrou que várias hipóteses de Delanne estão incorretas, porem é notável o esforço feito por ele para colocar o Espiritismo par a par com a ciência, não só pelo método empregado, mas pela busca constante de fatos que comprovem suas proposições.

A leitura de suas obras mostra um Delanne apaixonado, convencido da força das idéias espíritas e mais que tudo consciente do impacto moral das mesmas, como nos atesta o seguinte trecho da conclusão de sua obra “A Evolução Anímica” (Delanne,Gabriel – 6a Edição; Ed. FEB – pág. 252) :

“Com a certeza das vidas sucessivas e da responsabilidade dos nossos atos, muitos problemas revelar-se-ão sob novos prismas. As lutas sociais, que atingem , nesta nossa época, um caráter de aguda aspereza, poderão ser suavizadas pela convicção de não ser a existência planetária mais que um momento transitório no curso de uma eterna evolução.

Com menos orgulho nas camadas altas e menos inveja nas baixas, surgirá uma solidariedade efetiva, em contacto com estas doutrinas consoladoras, e talvez possamos ver desaparecer da face da Terra as lutas fratricidas, ineptos frutos da ignorância , a se dissiparem diante dos ensinamentos de amor e fraternidade, que são a coroa radiosa do Espiritismo.”

Por toda sua dedicação a idéia espírita, na defesa do aspecto científico do Espiritismo e por seu humanismo Gabriel Delanne merece lugar de destaque entre os pensadores que contribuíram para a evolução da idéia espírita no século XX.