Joana D’ Arc

Biografia de Joana D’Arc

A Lendária e Histórica Pucelle

Conforme já disse o célebre escritor, conterrâneo de Joana d’Arc, Léon Denis: “a história de Joana é inesgotável mina de ensinamentos, cuja extensão total ainda se não mediu e da qual se não tirou ainda todo o partido desejável para a elevação das inteligências, para a penetração das leis superiores da Alma e do Universo” (Joana d’Arc Médium, FEB 19ª edição, pág. 18).

Trata-se de uma inestimável personagem histórica, absolutamente sem precedentes, que tem merecido a atenção de várias gerações de estudiosos até hoje. Cronistas, poetas, romancistas e historiadores têm fornecido imagens diferentes sobre esta personagem. De feiticeira à santa, quase tudo já se disse sobre Joana. Entretanto, nenhuma crítica, nenhuma controvérsia logrará manchar a auréola de sublime pureza que a envolve.

No tocante ao rol de filmes sobre a Virgem de Lorena, gostaríamos de enaltecer o trabalho cinematográfico francês intitulado “Joana d’Arc”, com participação da grande Jacqueline Bisset, pois esta obra pareceu-nos muito fiel à biografia admitida pela grande maioria dos historiadores. Já o último filme sobre Joana d’Arc, com Milla Jovovich, é uma grande difamação, ridícula, pois trata nossa heroína à guisa de louca e interesseira, com alucinações e delírios frutos de uma demência. Este filme hollywoodiano é, portanto, uma grande afronta ao bom senso das pessoas, subestimando a inteligência do público e ignorando os fatos comprovadamente históricos acerca de nossa personagem.

Aliás, diga-se de passagem, baseamos esta biografia na obra dos historiadores Jônatas Batista Neto e José Batista. Os diálogos que incluímos neste trabalho estão baseados no relatos dos processos de condenação e de reabilitação da Pucelle.

A verdade é que a vida de Joana d’Arc, sem sombra de dúvida, é uma das manifestações mais brilhantes da Providência Divina na História da Humanidade. Sua vida resplandece como celeste raio de luz, na temerosa noite da Idade Média.

E não é só isso! Para nós, espíritas, é de suma importância dar a devida importância à famosa libertadora da França, o país que quatro séculos mais tarde tornar-se-ia berço da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec.

Hoje, este sublime anjo de Deus, executa em esfera mais alta, no plano espiritual e moral, trabalho de preparação e auxílio nesta revolução pacífica e regeneradora, que arrancará as sociedades humanas dos caminhos trevosos e dirigirá o olhar do homem para os destinos esplêndidos que o esperam, concitando a Humanidade a acelerar a marcha rumo a uma Nova Era.

Mas vejamos como tudo isso se deu!

A Época de Joana

Joana d’Arc viveu em um dos períodos mais sombrios da história da França, numa fase já avançada da chamada Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre a França e a Inglaterra, que teve como causa principal a pretensão dos reis ingleses de assumirem a coroa francesa, visto que o rei francês Carlos IV morrera em 1328 sem deixar herdeiro para o trono e sua irmã Isabel desposara Eduardo II da Inglaterra. Este casal possuía um filho, Eduardo III, que, ao completar 18 anos de idade, passou a reivindicar seus direitos, causando vários atritos entre os dois países, culminando com a guerra aberta em 1337.

Mas Deus não deixa a humanidade abandonada a si mesma, principalmente nas horas de crise e de provação. É quando Ele intervém através de Seus mensageiros providenciais, impedindo o triunfo do mal.

Destarte, foi em 1412, numa bonita e singela casa de pedra, que nasceu Joana, filha de Isabel Romée e Jacques d’Arc, pobre camponês da aldeia de Domrémy, em Lorena. Na época em que a peste negra e a guerra civil dizimavam milhares de vidas, eis que surge Joana d’Arc, como um raio de luz, vindo do alto, em meio dessa noite de luto e de miséria, para salvar da morte todo o reino da França.

Em 1420, o rei louco Carlos VI, em sua demência, assinou o Tratado de Troyes, claramente desfavorável à França, deserdando seu filho Carlos VII, conhecido como “o delfim”, devendo a coroa francesa passar para o inglês Henrique V, que se casara com Catarina, filha do rei da França.

Quando Joana d’Arc aparece no cenário da História, o duque de Borgonha já reconhecia Henrique V como rei da França. Paris estava nas mãos dos ingleses. O delfim Carlos, então, vira-se obrigado a refugiar-se em Bourges, juntamente com os demais franceses rebeldes à dominação inglesa, entregando-se ao desânimo e à inércia. A França estava perdida, ferida no coração. Orleáns, cuja ocupação entregaria aos estrangeiros o coração do país, ainda resistia, mas por quanto tempo?

A Missão da Pucelle

Embora desfrutasse de uma infância normal, brincando com as outras crianças, auxiliando sua mãe a fiar lã e seu pai nos cuidados com o gado, Joana não deixava de observar as dificuldades por que a sua aldeia passava, tendo até mesmo que fugir, para se proteger em fortalezas, quando um ataque inimigo ameaçava a região.

Extremamente religiosa, Joana freqüentava a igreja e acompanhava todas as procissões que percorriam a aldeia e os campos culminando na leitura do Evangelho. Não sabia ler nem escrever. Era uma boa e meiga criança, amada por todos, especialmente pelos pobres e infelizes, os quais nunca deixava de socorrer e consolar. Cedia boamente a cama a qualquer peregrino fatigado e então passava a noite sobre um feixe de palha. Trata-se, realmente, de uma dessas almas puras e profundas que descem à Terra para desempenhar elevada missão.

A sua primeira visão ocorreu no ano de 1425, num dia quente de verão, ao meio-dia. Uma voz, acompanhada de muita luz e vinda da direção da Igreja, tomou-a de surpresa, incutindo grande medo. Assustada, Joana ouviu-a por três vezes e então teve a certeza que era a voz de um anjo, que ela mais tarde reconheceu como São Miguel, a dizer-lhe para ser sempre boa, continuar indo à igreja e confiar no Senhor. A visão marcou profundamente o espírito ainda infantil de Joana, que não hesitou em fazer voto de castidade.

Pouco a pouco, seus colóquios com os Espíritos se tornavam mais freqüentes e, certa feita, o arcanjo São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida falam da situação do país e lhe revelam sua missão: “É preciso que vás em socorro do delfim, para que, por teu intermédio, ele recobre o seu reino.” A princípio Joana se escusa, afinal, era uma simples menina e não sabia nada de guerras ou montaria. Mas as Santas Catarina e Margarida repetiam-lhe sem cessar: “Vai, vai, nós te ajudaremos!”.

Destarte, a menina Joana precisava partir, instruída pelas vozes angelicais. Seu destino era seguir para Chinon, ao encontro do delfim Carlos VII e convencê-lo de que Deus confiou a ela a missão audaz de reorganizar e comandar o exército francês, expulsar as tropas inglesas e pôr fim ao cerco de Orléans, além de sagrá-lo rei, restituindo à França a sua sonhada liberdade.

Começa a Missão

Ainda com 16 anos, em Maio de 1428, Joana recorre ao seu primo Durant Laxard, a quem respeitosamente chamava de tio devido à diferença de idade, único parente que acreditava em sua predestinação. Então ela viaja para Burey-le-Petit para assistir sua prima, a esposa de Durant, que estava grávida. Depois de uma semana, seu tio a leva para Vaucouleurs, onde ela reconhece, pelo concurso de suas vozes, o capitão Roberto de Baudricourt, a quem ela contou sua missão, pedindo auxílio para chegar até o delfim. Mas o comandante de Vaucouleurs não lhe dá ouvidos e Joana retorna à Domrémy.

No mesmo ano, o exército dos ingleses e borgonheses (seus aliados) atacaram a região e nesta investida alcançaram Domrémy, obrigando o povo da aldeia a refugiar-se em Neufchâteau, mais ao sul. A devastação deu a Joana mais motivos para voltar a Vaucouleurs em Janeiro de 1429.

A Donzela, então, arruma sua ligeira bagagem – um embrulhozinho e o bastão de viagem – ajoelha-se ao pé do leito onde repousam seus pais e, em silêncio, murmura aos prantos o seu adeus. Não faltará a sua missão, pois a França aguarda. Aos 17 anos ela, pura como o lírio sem mácula, partiu para cumprir sua missão e Domrémy nunca mais tornou a vê-la.

Chegando pela segunda vez em Vaucouleurs, novamente em companhia de seu tio Durant, viu seu pedido novamente recusado pelo rude capitão Braudicourt. Entretanto, nada é capaz de desviá-la de seu objetivo e ela passou a insistir demasiadamente, parando seus apelos apenas para rezar na capela do castelo e assistir à missa. Apoiada pelo povo, que recordava uma antiga profecia segundo a qual a restauração da França seria conseguida graças à uma virgem oriunda de Lorena, Joana conquistava a simpatia da cidade. Se preciso fosse, ela caminharia até não ter mais pernas, para cumprir o seu intento. Foi quando recebeu trajes masculinos e um cavalo, tal como queria. Impressionado com sua convicção, um cavaleiro chamado Jean de Metz, prometeu conduzir-lhe até o delfim. Finalmente, Braudicourt, o comandante de Vaucouleurs, cedeu-lhe uma pequena escolta para que pudesse encetar a viagem até os domínios do monarca.

Após onze dias de uma viagem cheia de obstáculos, cruzando províncias dominadas pelos inimigos, evitando a maior parte das cidades, parando em Auxerre apenas para que pudessem rezar na catedral, venceram os 500 quilômetros que os separavam do castelo de Chinon em perfeita segurança. Chegaram à aldeia de Santa Catarina-de-Fierbois, distante 35 quilômetros de Chinon, no final de Fevereiro, onde os rumores acerca da missão da Pucelle já se faziam presentes. Da aldeia, Joana enviou mensageiros ao delfim, solicitando-lhe uma entrevista. Durante dois dias, ela aguardou a resposta orando e assistindo à missa na capela da aldeia, quando enfim recebeu o convite para ir à coorte.

A Donzela e a Coorte

Com o intuito de experimentar a emissária de Deus, Carlos VII pusera no trono um cortesão e ocultara-se na multidão de fidalgos. Joana entrou no imenso salão do castelo, onde se achavam reunidas trezentas pessoas e, instruída pelas suas vozes, reconheceu o delfim com facilidade, foi direto a ele e ajoelhou-se, saudando-o com humildade, para surpresa geral de todos os presentes.

Pouco depois, palestrando longamente em particular com o já impressionado delfim, ela ainda deu-lhe outra prova: a Donzela revelou-lhe suas próprias hesitações e pensamentos que ele guardava em segredo e dissipou-lhe dúvidas que nutria sobre seu próprio nascimento, reconhecendo-o como legítimo herdeiro do trono da França e, como tal, seria conduzido a Reims para a devida sagração, devendo, em nome disso, fornecer um exército à Pucelle para cumprimento da primeira etapa de sua missão, a libertação de Orléans.

Carlos VII, então, disse ao conselho e aos presentes que a Virgem de Lorena havia-lhe feito revelações admiráveis e dado um sinal divino, depositando por isso, grande confiança nela. Contudo, o conselho da coorte ainda deliberou enviar Joana a Poitiers para submetê-la a um rigoroso exame. Diante da comissão de inquérito, a cada momento rompem seus lábios ditos chistosos, tão imprevistos quanto originais, arrasando as lastimosas objeções de seus examinadores. Foi ainda submetida, mais de uma vez, a um conselho de matronas que lhe constaram a virgindade.

Como vemos, os agentes da coroa francesa se mostraram tão ingratos e indiferentes para com a Pucelle tanto no início quanto no decorrer de sua missão. Nesta pobre criança não se encontrou maldade alguma e sim tudo quanto é bom, humildade, virgindade, devoção, honestidade e simplicidade.

Joana saiu triunfante de todas essas provações e garantiu que os ingleses seriam vencidos, o delfim seria sagrado rei, Paris retornaria à obediência da França e o duque de Orléans regressaria de seu cativeiro na Inglaterra. Essas quatro profecias da Pucelle se realizaram, embora duas após a sua morte. Esse inquérito foi registrado no “Livro de Poitiers”, onde as comissões deram fé que Joana era virgem, boa cristã e uma verdadeira católica.

As Batalhas

Após a exaustiva investigação, o delfim e o conselho decidiram que Joana d’Arc deveria receber auxílio para as operações militares e ostentaria o título de chefe da guerra. Ela então seguiu para Tours, onde mandou fazer a sua armadura e as suas insígnias: um estandarte de guerra, uma flâmula de batalha e um estandarte religioso, este último um pouco menor que o primeiro e possuía uma bandeira branca com franjas de seda, uma imagem de Deus abençoando as flores de lis e a divisa “Jhésus Maria”.

Antes de partir para Blois, ela ainda enviou um armeiro para Santa Catarina-de-Fierbois em busca da espada do histórico Carlos Martel, com cinco cruzes gravadas no topo, que estava enterrada atrás do altar da igreja. Incrível é que ninguém sabia que a espada ali se encontrava. A Donzela também cortou seus longos cabelos, que na verdade eram negros, embora muitos pintores o retratem loiros.

Em Blois, Joana e seu pequeno grupo juntaram-se aos grandes chefes militares franceses Raul de Gaucourt, Regnault de Chartres, Poton de Xaintrailles, Gilles de Rais e Estêvão Vignolles (conhecido por La Hire), reunindo um exército de aproximadamente quatro mil homens.

Então, a 27 de Abril de 1429, o exército partiu com víveres para Orléans, ponto estratégico do Vale do Loire, que já estava cercada pelos ingleses desde o ano anterior. Em Orléans a defesa estava entregue a João Dunois, um dos maiores capitães franceses do final da Guerra dos Cem Anos.

Joana sempre preocupou-se muito com a situação dos pobres franceses das cidades sitiadas pelos ingleses e seus aliados. A população se espremia nas ruas para vê-la. Envergando a armadura toda branca, empunhando a bandeira e trazendo à cinta a espada de Fierbois, a Pucelle avançava radiante de esperança e de fé. Se os cortesãos a olham com suspeita e desdém, o povo ao menos acredita nela e na sua missão libertadora.

Antes de atacar, Joana ditava cartas que eram enviadas aos ingleses exortando-os à rendição, para que partissem em paz. Mas o ingleses haviam feito um círculo de formidáveis fortificações em torno de Orléans. Ademais, lá se encontravam as melhores tropas e comandantes da Inglaterra. Mais tarde, durante os combates, ela agia da mesma forma, gritando ordens para os inimigos que cessassem a luta e partissem. Nem sempre ela era ouvida.

Um primeiro ataque às trincheiras de Saint-Loup é tentado em sua ausência. Quando avisada, a heroína se arroja a toda brida, com a bandeira desfraldada. Era a primeira vez que Joana d’Arc vinha combater. Eletrizando os soldados, entrando na batalha, ela logo se fez chefe, pois era melhor do que os outros. Não que ela fosse mais versada em coisas de guerra, pelo contrário, mas tinha o coração mais abnegado. Quando cada um pensava em si, ela pensava em todos. Quando cada um tratava de se resguardar, ela a tudo se expunha. Assim, ela toma lugar à frente dos soldados, permanecendo em pé sob uma chuva de projéteis arremessados pelos arcos e bestas para manter unidos os combatentes. Com esse vigoroso ataque, conseguiu romper as linhas inglesas.

Cada assalto era uma vitória. João Dunois louvava a maneira que Joana dispunha estrategicamente as tropas. E, conforme está registrado em seu depoimento no processo de reabilitação, dizia ele: “antes dela duzentos ingleses punham em fuga mil franceses; mas com ela, algumas centenas de franceses forçam um exército inteiro a recuar”. Em Maio, o exército dos franceses tomou a fortaleza inglesa do mosteiro dos agostinianos. Os sobreviventes ingleses fugiram para Tourelles, à margem do rio Loire.

Joana devolveu o entusiasmo e a esperança aos soldados franceses. Os ingleses a temiam, mas não hesitavam em bradar impropérios caluniosos, sobretudo acusavam-na de prostituta. Que grande calúnia! A Pucelle nunca admitira que os soldados franceses andassem com prostitutas nos acampamentos, prática muito comum na época. Mesmo assim, ela não odiava seus inimigos e, quando eram capturados, não permitia que fossem maltratados.

A tomada de Tourelles foi iniciada em 07 de Maio e, pela primeira vez, Joana foi ferida. Uma flecha atingiu-lhe o ombro. Muito assustada, chorando, a Virgem de Lorena foi consolada pelos anjos sublimes de suas visões, acalmando-se então, enquanto a hemorragia era misteriosamente estancada. Os ingleses resistiram bravamente, mas a dupla fortificação acabou pegando fogo, e muitos deles caíram no rio e se afogaram.

Após a queda de Tourelles, os ingleses das fortalezas localizadas a oeste da cidade desistiram de lutar quando receberam o aviso da Donzela de Orléans e fugiram para Meung. A vitória foi completa e a população comemorou com festas e celebrações religiosas de agradecimento.

Em 12 de Junho, a cidade de Jargeau foi reocupada pelos franceses sob o comando da Pucelle. Depois foi a vez de Meung e Beaugency. No dia 18 do mesmo mês, numa localidade chamada Patay, travou-se uma batalha em que os ingleses foram batidos em campo raso, esmagadoramente derrotados (as fontes históricas registram 3 baixas francesas contra 2000 inglesas) e o general inglês João Talbot caiu prisioneiro. Os ingleses passaram a temer ainda mais a Donzela de Orléans, pois acreditavam ser ela uma feiticeira e discípula do demônio. Já os franceses a tinham como grande heroína emissária dos céus, consagrando à Pucelle um culto cada dia mais elevado.

A Coroação de Carlos VII

Os conselheiros da coorte viviam inquietos, receosos de perderem seu prestígio devido ao bom êxito das obras de Joana. O influenciável delfim Carlos VII permanecia indeciso quanto ao próximo passo a tomar, nem sequer foi visitar os orleaneses. Por fim, decidiu ouvir a Pucelle e pôr-se a caminho de Reims, obtendo pacificamente a submissão das cidades que ficavam no caminho.

Os reis da França eram tradicionalmente coroados na cidade de Reims, através de um ritual de sagração em que o monarca era untado com um óleo, dito sagrado, que teria sido trazido diretamente do céu por uma pomba e que jamais se esgotava, renovando-se miraculosamente. Era lá que se cumpriria a segunda profecia da Donzela.

Em Gien, Joana e o duque d’Alençon reuniram uma grande multidão incluindo cavaleiros, escudeiros, soldados e gente comum, perfazendo um total de doze mil pessoas. A 29 de Junho partiu a expedição rumo a Reims.

No início de Julho eles chegaram a Auxerre, cidade com a qual estabeleceram um tratado que estabelecia a neutralidade desta; depois alcançaram Saint-Florentin, que se rendeu sem dificuldades. No dia 5 chegaram em Troyes, que fechou as portas, onde o conselho da cidade hesitou entre conservar fidelidade aos ingleses e borgonheses ou aderir ao delfim. Joana pediu ao delfim que aguardasse alguns dias, pois Troyes iria se render.

Diante do impasse, os franceses preparavam-se para atacar a cidade. O exército inteiro aguardava o sinal da Pucelle, que permanecia de pé junto ao fosso, com o estandarte na mão, quando os sitiados apavorados pediram negociação. No dia 10 a guarnição anglo-borgonhesa se retirava da cidade, mas levava alguns franceses como prisioneiros. Esses pobres coitados, ao passarem por Joana, imploraram a ela que interviesse. A heroína se opôs energicamente a que fossem levados e o delfim teve que resgatá-los a dinheiro.

De Troyes eles seguiram para Châlons, que abriu suas portas. Ali, Joana teve a felicidade de encontrar alguns amigos, habitantes de Domrémy. Entre eles, o lavrados Gérardin, de cujo filho Nicolau ela era madrinha. Aos amigos Joana dizia o quanto lhe seria prazeroso voltar ao seio da família e às ocupações campestres, mas sua missão a retinha perto do rei por vontade do Alto.

Enfim, no dia 16 de Julho, chegaram finalmente a Reims, logo após a partida da guarnição borgonhesa da cidade, onde o delfim e sua delegação foram recepcionados nas ruas pelo povo esperançoso de dias melhores. Lá também estavam, com alguns parentes, os pais de Joana d’Arc, para realizar o tão almejado sonho do reencontro com sua amada menina.

A cerimônia de coroação foi realizada no dia 17 de Julho pelo arcebispo de Reims, Reinaldo de Chartres. O ritual durou das 9 às 14 horas entre o juramento, a unção e a entrega de insígnias. Joana, que certamente estava exultante, pois via parte de sua missão cumprida, assistiu à cerimônia segurando o seu estandarte e, no final, ajoelhou-se diante do rei, abraçando-lhe as pernas, chorando. A coroação de Carlos VII foi uma grande vitória francesa porque transformou um príncipe, com discutidas pretensões à realeza, em soberano aceito por grande parte da população do reino, até mesmo por gente que vivia em território ocupado pelos borgonheses ou ingleses.

A Traição

“- A Paris!”, clamava Joana no dia posterior ao da sagração.

“- A Paris!”, repetia o exército inteiro.

Mas predominam a ingratidão, a maldade, as intrigas dos cortesãos e dos eclesiásticos e até a má vontade do rei. Todos aqueles cortesãos pérfidos sentiram-se eclipsados perante o brilho da Pucelle; aqueles ministros da Igreja sentiam sua autoridade menosprezada por uma enviada do céu; até diversos chefes militares sentiam-se superados por ela na ciência da guerra, todos esses homens, feridos em orgulho e vaidade, juraram vingança.

Se Carlos VII houvesse atendido ao apelo de Joana e marchado logo sobre a capital, Paris e toda a área até o Loire teriam sido facilmente conquistadas. Os ingleses estavam aterrados com as derrotas sofridas. Seu principal exército estava destroçado e os seus melhores capitães caíram prisioneiros ou morreram. Seus soldados desertavam com medo da Pucelle, a quem chamavam “a feiticeira da França”.

Mas a indecisão do rei francês deu ao duque de Bedford tempo suficiente para convocar as tropas inglesas, que a princípio deveriam lutar contra os Hussitas, para reforçar as defesas de Paris.

Finalmente, em 08 de Setembro o assalto é iniciado. Mas as ordens de Joana não foram cumpridas. Deram-lhe por ajudantes os dois comandantes que mais a hostilizavam: Raul de Gaucourt e Marechal de Retz. Deixam de entupir os fossos e de sustentar o ataque. O rei não quis mostrar-se às tropas. Prometera ir e faltou à palavra. Joana, como sempre, portou-se heroicamente, permanecendo junto ao fosso, incitando os soldados ao assalto, sob uma saraivada de projéteis. Uma flecha feriu-lhe profundamente na coxa, mas ainda assim não parou de exortar os franceses à luta. Ela só abandonou o lugar forçada pelo duque d’Alençon e por Raul de Gaucourt.

As forças francesas foram obrigadas a retornar para Saint-Denis. O ataque a Paris foi o primeiro fracasso de uma carreira marcada por grandes vitórias, graças à traição justamente daqueles que mais deviam à Pucelle. No dia seguinte, Joana quis recomeçar o ataque, porém, o que aconteceu? Não puderam mais passar. O rei havia mandado destruir as pontes que davam acesso à capital e impusera retirada. No fim do mesmo mês, o rei chegou a Gien, no Vale do Loire, e o exército foi desmobilizado.

A má vontade dos homens e a ingratidão do rei e de seus conselheiros criaram mil obstáculos à heroína e ocasionaram o malogro de seu empreendimento. Após o desastre diante dos muros de Paris, Joana experimentou as alternativas das vitórias e dos reveses. Com uma pequena tropa, ela venceu em Saint-Pierre-le-Moûtier e foi derrotada em Charité. À borda dos fossos de Melun, suas vozes lhe alertaram, pela primeira vez, que seria capturada pelo inimigo em breve e deveria a tudo suportar em nome de Deus. Certa ocasião, o duque d’Alençon ouviu-a dizer ao rei que não viveria muito mais do que um ano.

É a partir desse momento que Joana d’Arc tornar-se-á verdadeiramente grande, maior do que pelo efeito de suas vitórias. Sua atitude, seus sofrimentos, suas palavras inspiradas, suas lágrimas, sua dolorosa agonia farão dela alvo de admiração por todos os séculos vindouros. A adversidade lhe adornará a fronte com uma auréola sagrada!

A coorte se instalara em Bougues, onde Joana também se hospedou. Mas a inação pesara-lhe e, no dia 23 de Maio de 1430, ela deixou o rei aos prazeres e festas em que se comprazia e partiu à frente de uma pequena tropa que lhe era dedicada rumo a Compiègne, cercada por tropas inglesas e borgonhesas comandadas respectivamente por João Montgomery e João de Luxemburgo. Há registros históricos de que, passando por Lagny, suas orações fizeram reviver uma criança que já era considerada morta.

Em uma emboscada, durante uma das sortidas que ela constantemente fazia, o governador da cidade, Guilherme de Flavy, mandou arriar o rastilho e a heroína, não tendo podido mais entrar na praça, foi capturada. Mesmo a poucos metros da entrada, nenhuma tentativa de socorro se fez e a Donzela foi abandonada à sua sorte.

O Cativeiro

Já no dia 26 de Maio de 1430, a Universidade de Paris, que reconhecia Henrique VI como legítimo herdeiro do trono francês, solicitou ao duque de Borgonha que Joana fosse apresentada à Inquisição para ser julgada por crime de heresia. Por trás da Universidade, movimentava-se o bispo de Beauvais, Pedro Cauchon, que teve sua carreira prejudicada pelos acontecimentos do ano anterior, desencadeados pela Donzela de Orléans.

Joana foi primeiramente encarcerada no castelo de Beaulieu, a pequena distância de Compiègne, sendo depois transferida para o castelo de João de Luxemburgo. Durante os quatro meses que lá permaneceu, numa tentativa de fuga para continuar a lutar ao lado do povo de Compiègne, ela saltou de uma torre muito alta, perdendo a consciência ao cair em um dos fossos. Recolhida pelos soldados que a julgavam morta, recuperou-se milagrosamente depois de alguns dias. Posteriormente, a Donzela declarou-se arrependida deste ato praticado, principalmente por não ter ouvido as advertências de suas vozes que não aprovaram sua ação.

Durante seis meses, Joana andou de prisão em prisão, até que, em 21 de Novembro, em obediência às determinações da Universidade de Paris, foi vendida aos inimigos cruéis ingleses por dez mil libras, tendo como Pedro Cauchon intermediário das negociações. Dinheiro este que, aliás, foi obtido mediante cobrança de pesado imposto sobre os territórios da própria França, que estavam dominados pela Inglaterra. Não há registros de que Carlos VII tenha feito sequer uma oferta pela libertação da Donzela.

Em uma das prisões que passou, a Donzela ficou presa em frente à cela de uma mulher conhecida como a Louca de Paris. Esta mulher, por resgate cármico, alternava-se entre estados de lucidez e de loucura e estava presa por ter maltratado um inquisidor num de seus surtos insanos. Quando em estado de lucidez, vendo como maltratavam a Donzela, a Louca de Paris avançava contra as grades e explodia em palavras de baixo calão. Certa vez, os soldados abriram as grades da cela da louca e empurram Joana para dentro, desafiando a curá-la, já que falava com os anjos. A louca mulher enfurecida imediatamente acalmou-se e, ajoelhada aos pés de Joana, pediu alívio para seu sofrimento, chorando como criança. A Donzela olhou em torno da louca e viu vultos negros que sugavam como vampiros aquela pobre criatura. Ordenou-lhes, então, que fossem embora, em nome do Cristo e dos Santos. Acariciou a mulher e beijou-lhe a fronte, despedindo-se, caminhando para o dever frente aos carrascos do poder temporal. Com efeito, malgrado dos soldados, a mulher nunca mais sofreu os tais acessos de loucura e, estando curada, foi colocada em liberdade após alguns dias.

Finalmente no final de 1430, Joana chega a Rouen, onde viu-se aprisionada no castelo de Bouvreuil para responder ao processo. A pobre menina foi encarcerada num calabouço, numa espécie de gaiola de ferro, trancada com três chaves. Acorrentaram-na pelo pescoço, pela cintura, pelos pés e pelas mãos a uma pesada tora de madeira.

Que duro suplício para uma pobre donzela! Se não fosse a consolação e o amparo sublime dos seus anjos, teria sucumbido à tão terrível aflição. Mesmo morrendo de fome, machucada pelos ferros, cercada de imundícia, tirou de sua fé a coragem de perdoar aos seus algozes.

Vigiada por uma guarda composta por cinco soldados ingleses, não foram poucas as vezes em que tentaram violentá-la. Como nunca conseguiam, batiam-lhe, deixando seu rosto inchado pelas pancadas. Para a própria proteção, ela insistia em permanecer usando trajes masculinos, fato que, aliás, foi classificado como crime.

Destarte, nas horas mais difíceis, que lhe causavam mais temor do que a própria morte, os amigos do invisível intervinham. Uma legião radiosa de espíritos puros salvaguardavam-na naquela sombria prisão, dando-lhe forças para resistir a tudo e lhe diziam: “tem coragem! Serás libertada por uma grande vitória!” Inicialmente, ela pensou que essa libertação seria sua soltura, mas depois compreendeu que tratava-se da libertação pela martírio, pela morte redentora.

Assim, a duquesa de Bedford deu ordem expressa aos soldados para que a deixassem em paz. Ainda assim, tempos depois, um novo exame de virgindade foi feito pela própria duquesa em companhia de lady Ana Bavon e outras matronas, justificando porque era denominada La Pucelle.

Em Janeiro de 1431, Joana foi formalmente entregue pelos ingleses ao bispo de Beauvais, Pedro Cauchon, para início do processo de julgamento.

A Inquisição

Na Inquisição, a pressuposição de culpa do réu levava o tribunal a buscar somente os argumentos necessários para a imposição da pena. Para os acusados que reconheciam seus supostos erros e se arrependiam, a pena máxima era a prisão perpétua. Todavia, para os que se recusavam a admitir sua culpa e não se arrependiam, sobretudo no caso de feitiçaria e heresia, estava reservada a morte na fogueira.

Ao mesmo tempo que padecia de tão duro e horrível cativeiro, Joana ainda teve que sofrer as longas e tortuosas fases de um julgamento sem precedentes na história! De um lado, 60 clérigos, padres e doutores de corações petrificados, todos partidários dos ingleses e inimigos de Joana. De outro lado, sem advogado de defesa, uma menina de 19 anos, encarnação da pureza e da inocência, pronta aos maiores sacrifícios para cumprir a sua missão.

Mas a Pucelle não estava sozinha. Se o rei e os nobres da França nada fazem para resgatá-la, os seres invisíveis estavam lá para ampará-la, velando e inspirando réplicas que causavam espanto e desnorteavam os inquisidores doutores da lei. Jamais se viu a natureza humana subir tão alto de uma parte e, de outra, cair tão baixo!

Pedro Cauchon fora o convocado pela Inglaterra para assumir o papel de inquisidor. Mas, conduzindo o julgamento, ele extrapolava as funções inerentes às de juiz, ignorando os fatos e o comportamento da acusada. Fatos e atos serviram de base para o supremo objetivo da coorte: a obtenção de uma confissão que caracterizaria os crimes então em julgamento, os de heresia e bruxaria.

Para obter tal confissão, muitos espiões visitavam disfarçados a cela de Joana, dizendo-se simpatizantes de sua causa. Chegaram até a submetê-la à tortura em 09 de Maio de 1431. Joana resistia defendendo a França e o rei ingrato que a abandonara e, então, os torturadores tiveram que parar porque o seu frágil corpo, debilitado pelos maltratos, poderia não sobreviver e até o momento só a morte pública lhes interessava.

Os assessores do bispo Cauchon foram a todos os lugares que Joana havia passado, tentando juntar provas contra ela. Mas os relatórios, todos favoráveis à Pucelle, foram omitidos dos registros e algumas informações foram alteradas nas sessões de interrogatório, que se estenderam de 21 de Fevereiro a 17 de Março de 1431.

Os membros do tribunal, de momento a momento, cheios de raiva, engendram mil ardis ao interrogar Joana. No entanto, ela responde a todos com palavras tão judiciosas que ninguém pode duvidar de que ela está inspirada pelos seus guias do plano astral.

Quando perguntaram se os santos que apareciam-lhe estavam nus, Joana retrucou: “Acaso achais que Deus não tem com o que vestir?” Tentando culpá-la do crime de magia, perguntaram se, na conquista de suas vitórias, ela defendia o seu estandarte ou se era o estandarte que a defendia. De pronto, a Donzela respondeu: “Fosse do estandarte ou de Joana a vitória, tudo pertencia a Deus”. Ora, quantas pessoas poderiam resistir à tentação de atribuir a si próprios o mérito de suas vitórias? E como eles ainda insistiam em saber onde ela fundava suas esperanças de vitória, se era no estandarte, ela rematou: “Em Deus e em nada mais.”

Ainda ressaltamos a resposta à pergunta, feita na terceira sessão, que os inquisidores achavam que era irrespondível: “Acreditais estar na graça de Deus?” Situação difícil, pois a resposta afirmativa significaria presunção de Joana e a resposta negativa seria reconhecer estar em pecado. Mas Joana não hesitou em responder: “Se não estou, que Ele me faça estar; e se estou que Ele nela me conserve!”

Destarte, visando tornar menos público o julgamento e exercer maior pressão sobre Joana, das 15 sessões de interrogatórios a que ela foi submetida, durando horas cada uma, apenas as 6 primeiras contaram com a presença maciça dos assessores convocados pelo bispo. As demais foram feitas na cela da Pucelle, assistidas por um número reduzido de partidários de Cauchon.

Joana negava-se a responder a muitas perguntas, pois não reconhecia no tribunal que a julgava competência para questionar as coisas divinas. Até mesmo o juramento que antecedia cada sessão, obrigando-a a dizer somente a verdade, carecia de significado, pois ela havia jurado silêncio sobre muitas coisas acerca de suas visões.

Ela tentou remeter o tribunal às notas do inquérito de Poitiers, mas este, por ser-lhe favorável, havia sido destruído, restando apenas as suas conclusões obtidas somente durante o Processo de Reabilitação de 1456. Noutra ocasião, ponderou num tom de censura: “Registrais só o que é contra mim e nada do que é a meu favor!”

Um dia o bispo de Beauvais entra no cárcere acompanhado de sete padres. Os amigos do plano espiritual dizem à Joana que defenda a verdade e desafie a morte. Eis a seguir o trecho determinante do diálogo vital para a prisioneira. O bispo pergunta-lhe:

– “Queres submeter-te à Igreja?”

– “Só à Igreja lá do Alto me submeto, com relação a tudo o que tenho feito e dito.”

– “Assim, recusas submeter-te à Igreja, recusas renegar suas visões diabólicas?”

– “Reporto-me a Deus somente. Pelo que respeita minhas visões, não aceito o julgamento de homem algum.”

Joana recusa submeter-se, pois Deus deve ser servido antes que qualquer homem na Terra. A Pucelle não se submeteu à Igreja militante, isto é, a Igreja composta pelo papa, cardeais e demais membros do clero. Esta diferenciava-se da Igreja triunfante, que era representada por Deus, pelos santos e pelas almas que haviam alcançado a salvação.

Alguns inquisidores reconheceram em Joana um ente amparado pelo Céu e já entreviam as conseqüências deste crime. Mas como recuar? Só encontraram uma saída: fazer com que a vítima desaparecesse assassinada, evitando assim um crime público. Um peixe envenenado foi providenciado e a Donzela comeu e adoeceu. Mas os ingleses pagaram-na caro e a queriam na fogueira e, por isso, ministraram-lhe pérfidos cuidados, aproveitando, todavia, seu estado de fraqueza para exigir-lhe uma abjuração, mas Joana não cedeu.

Em 2 de Maio, ela foi apresentada à coorte para ouvir a leitura das 70 acusações do seu processo, que foram então condensadas para 12 acusações a fim de serem enviadas para a Universidade de Paris. Hei-las:

  1. Atribuição a Deus a origem das revelações e aparições;
  2. O uso de “sinal mágico” dado ao rei;
  3. Afirmação de que os anjos e santos haviam sido reconhecidos pelos bons conselhos que a ela foram dados;
  4. Previsão de acontecimentos e uso de adivinhação para reconhecer pessoas;
  5. Insistência no uso de roupas masculinas;
  6. Uso do sinal da cruz e das palavras “Jesus Maria” nas cartas que enviava;
  7. Desobediência aos pais;
  8. Tentativa de suicídio;
  9. Afirmação de ter a garantia do paraíso como conseqüência do voto de castidade;
  10. Afirmação de que os santos estavam contra os ingleses e a favor dos franceses;
  11. A não-procura de auxílio da Igreja, quando deveria tê-lo feito;
  12. A recusa à submissão à Igreja militante.

Estes doze artigos de acusação foram enviados pela coorte à Universidade de Paris desacompanhados de qualquer material adicional referente às sessões do processo, buscando eximir-se de toda responsabilidade quanto à decisão. A Universidade reforçou e endossou cada uma das doze acusações:

  1. As revelações e aparições seguramente provinham de espíritos do mal.
  2. O sinal dado ao rei era pura mentira e nunca poderia vir de anjos.
  3. Fracas eram as razões para Joana afirmar o reconhecimento dos santos e anjos, e se ela o fazia com a mesma segurança com que tinha fé em Jesus Cristo, errava na fé.
  4. Era supersticiosa e usava de adivinhação.
  5. Blasfemava ao afirmar que o uso de roupas masculinas provinha de ordens de Deus, ferindo Seus sacramentos.
  6. O uso do sinal da cruz e das palavras “Jesus Maria” nas cartas provava ser ela apenas uma assassina cruel que se vangloriava da vitória que lhe havia de ser dada por Deus.
  7. Pecara ao transgredir o mandamento que diz que pai e mãe devem ser honrados.
  8. O salto da torre da prisão fora inegavelmente suicida.
  9. Era presunçosa ao afirmar que não estava em pecado e que poderia alcançar o paraíso levada pelos santos.
  10. Transgredia o mandamento que diz “amai-vos uns aos outros”, ao afirmar que os santos eram favoráveis aos franceses e contrários aos ingleses.
  11. Era idólatra e invocadora de demônios ao reverenciar seus santos sem o auxílio de um clérigo.
  12. Era cismática, pois rejeitava a unidade e a autoridade da Igreja, recusando-se a submeter suas palavras e suas obras ao julgamento das autoridades. Dizendo que seria julgada somente por Deus, errava perigosamente na fé.

Finalmente, em 19 de Maio, o bispo Cauchon reuniu seus assessores para leitura das conclusões que faziam prever o trágico destino da Pucelle. Como ela mantinha-se irredutível, o julgamento foi dado por encerrado.

O Martírio

No dia 24 de Maio de 1431, Joana d’Arc foi levada para o cemitério de Saint-Ouen, onde o povo e os soldados ingleses aguardavam ansiosos pelo suplício. Os juizes reunidos, com destaque para o cardeal Beaufort e mais 6 bispos, João Massieu (oficial de justiça da coorte e escrivão do processo) e Guilherme Erard (mestre na Universidade de Paris), este último designado para fazer o sermão.

Erard principiou o sermão exortando Joana a permanecer na verdadeira vinha da Santa Madre Igreja. Quando criticou Carlos VII por se deixar iludir por uma mulher herética, teve que ouvir da Donzela uma bela réplica em defesa do rei: ela afirmou, sob pena de perder a vida, que ninguém tinha mais amor pela fé e pela Igreja do que o rei.

Hipócritas, eles pedem que Joana se compadeça de si mesma e não se condene ao suplício do fogo, convencendo-a de que deveria se salvar. Aquela alma tão pura e meiga deixou-se levar pelas refalsadas aparências de simpatia, pelas fementidas demonstrações de benevolência. Alguns, já haviam dito a ela anteriormente que na Igreja militante haviam muitos prelados e doutores partidários do rei Carlos VII e iriam ajudá-la. Logo em frente ao palanque, a fogueira já a esperava. Alguns historiadores dizem até que um carrasco chegou a pôr a mão da Pucelle no fogo para que ela sentisse a dor e se intimidasse.

Aturdida, confusa e sem mais forças para resistir, a Pucelle concorda em submeter-se e assina, com uma cruz, o papel que lhe trazem, sem fazer juramento. Mas lembremos que Joana não sabia ler nem escrever! Quando o escrivão Massieu leu para ela a fórmula de abjuração, ela não compreendeu realmente o significado do que estava fazendo.

Além disso, nenhuma das testemunhas que depuseram no Processo de Reabilitação, em 1456, atestaram a autenticidade da fórmula que se encontra apensa ao Processo de Condenação. Nesta ocasião, o próprio João de Massieu afirmou, positivamente, que tal documento não é o mesmo que Joana assinou. O original, segundo ele mesmo, não possuía mais que sete linhas, sendo a que se encontra nos autos extremamente longa.

Após ouvir a sentença de prisão perpétua, Joana cobrou as promessas que lhe haviam feito: que seria levada para uma prisão da Igreja e não seria mais acorrentada, que poderia assistir à missa e que teria por guarda uma mulher. Mas Cauchon não quis atendê-la e mandou-a de volta à mesma cela, onde recebeu roupas femininas, que imediatamente vestiu.

Na mesma noite, as vozes se fizeram ouvir e a Donzela compreendeu que não agira corretamente, pois deveria defender a verdade, mesmo que isso lhe custasse a própria vida. E os três dias seguintes foram um pesadelo interminável, pois Joana viu-se humilhada e atacada pelos soldados, que lhe bateram muito por não conseguirem o que queriam. Para defender o seu pudor e para demonstrar que não mudara, ela voltou a usar suas vestes.

No dia 28 Pedro Cauchon, Le Maître e mais 8 assessores foram vê-la para constatar que voltara a usar vestes masculinas. Joana disse-lhes:

“- A voz me disse que abjurar é uma traição. A verdade é que Deus me enviou. O que fiz está bem feito. Prefiro morrer a suportar por mais tempo o martírio do cárcere”.

Os soldados ingleses exultaram quando, no dia seguinte, o bispo de Beauvais anunciou que a Pucelle tornara-se relapsa e seria entregue à justiça secular.

Enfim, em 30 de Maio de 1431, às 8 horas da manhã, os sinos de Rouen dobram anunciando à Pucelle sua última hora soara. Quatro plataformas foram erguidos no Mercado Velho, sendo a mais alta reservada para Joana e as demais seriam ocupadas pelos juizes, onde o sermão seria pregado por Nicolau Midi.

Ela foi conduzida ao local da execução sob a vigilância de aproximadamente cem soldados ingleses e, em lágrimas, dizia a João Massieu: “é preciso até que meu corpo, intacto e puro, seja hoje consumido e reduzido a cinzas! Ah! Preferia que me decapitassem sete vezes!”

As suas vozes já lhe tinham revelado que deveria perecer na fogueira para completar sua missão e eternizar seu nobre e puro vulto na história, mas impressionava-a cruciantemente a idéia do suplício no fogo. Depois de atrozes maltratos, o ignominioso fim. Entretanto, Joana d’Arc nunca perdera sua fé vigorosa e sua confiança em Deus e assim transporia todos os obstáculos.

Nicolau Midi proferiu, ao lado da Donzela, a sentença que a considerava herética e a entregava à justiça secular. Os juizes e capitães ingleses esperavam que a Virgem de Lorena, vencida pela dor, gritasse implorando e renegando sua missão e suas vozes.

Todavia, no momento solene, em presença da morte que se avizinha, a alma de Joana se desprende das sombras terrenas e entrevê os esplendores eternos. Ela se ajoelha e profere uma prece extensa e fervorosa, em voz alta. Recomenda sua alma a Deus, à Virgem Maria e aos Santos. Pede que seus acusadores e os que a abandonaram fossem perdoados e declara-se responsável por todos os seus atos. A multidão estava comovida e muitos juizes não continham as lágrimas.

A Pucelle então pediu que lhe fosse permitido olhar para cruz cerimonial da igreja mais próxima, a do Santo Salvador, que foi-lhe trazida e erguida por Isambart de la Pierre bem defronte de seus olhos, enquanto amarravam-na à estaca de madeira e até o último instante. Ela queira ter diante de si a imagem desse outro supliciado que, lá nos confins do Oriente, no cume de um monte, deu a vida em holocausto à verdade: Jesus Cristo.

Os carrascos então põem fogo à lenha e turbilhões de fumaça se enovelam no ar. A chama cresce, corre, serpeia por entre as pilhas de madeira. O bispo de Beauvais acerca-se da fogueira e grita-lhe: “- Abjura!” Ao que Joana, já envolvida num círculo de fogo, responde: “- Bispo, morro por vossa causa, apelo do vosso julgamento para Deus!” Mais uma vez, a emissária de Deus, mesmo no momento crucial, perdoa o seu principal algoz.

As labaredas rubras, ardentes, sobem, sobem mais e lambem-lhe o corpo virginal; suas roupas fumegam. Hei-la, torcendo-se nas ataduras de ferro. Alguns minutos depois, em voz estridente, lança à multidão silenciosa e aterrorizada, estas retumbantes palavras: “- Sim! Minhas vozes vinham do Alto! Minhas revelações eram de Deus! Tudo o que fiz, foi por ordem de Deus!”

Suas vestes incendiadas se tornam uma das centelhas da imensa pira. Ecoa um grito sufocado, apelo supremo da mártir de Rouen ao mártir do Gólgota: “Jesus!” Olhando para cruz erguida à sua frente, Joana d’Arc expirou clamando pelo Mestre e, em espírito, ascendeu às regiões celestiais amparada por uma plêiade de amigos superiores do plano astral. Legiões de espíritos radiosos, formando um coro celestial, entoam um hino de triunfo, que repercutem nos espaços siderais: “Salve! Salve! Aquela que o martírio coroou! Salve aquela que, pelo sacrifício, conquistou eterna glória!”

Alguns historiadores dizem que suas cinzas foram lançadas ao Rio Sena logo após a execução. Outros, dizem que os ingleses apagaram o fogo logo que a virgem expirou, deixando seu corpo carbonizado exposto durante 8 dias à vista do povo, para só então reacender a fogueira e jogar no rio suas cinzas. Nesta ocasião, os soldados teriam encontrado seu coração completamente intacto, sem queimaduras, segundo opúsculo ditado pelo Espírito Miramez. Isso, graças à intervenção da Louca de Paris (já em espírito, pois desencarnara algum tempo antes, atropelada por uma carruagem), que protegera o coração de sua benfeitora e, com efeito, foi também recolhida das chamas para o regaço de Amor ao lado de um cortejo de estrelas celestiais.

De qualquer modo, não permitiram que os restos do corpo virginal, que abrigou um anjo, pudesse repousar num túmulo, onde os que amaram a Donzela pudessem ir chorar e depositar flores.

O pai de Joana, Jacques d’Arc, ferido no coração pela notícia do martírio da filha, morreu subitamente, acompanhado de perto pelo seu filho mais velho. A mãe então passou a ter como único objetivo na vida instar a revisão do processo. Em vão, durante anos, redigiu petições ao rei e ao papa.

Em 1435, do duque de Borgonha, Filipe, o Ousado, reconheceu Carlos VII como rei da França e, com a perda do aliado, a Inglaterra viu-se sem condições de continuar controlando Paris e retirou sua guarnição da cidade em 1436. Já em 1449 os franceses penetraram num dos últimos redutos ingleses em território francês e, logo que atingiram Rouen, cedendo à pressão popular, o rei mandou reunir a documentação do processo de condenação de Joana d’Arc.

Após a constituição, em 1452, de 21 artigos de crítica ao processo de condenação da Virgem de Lorena, produzidos pelo cardeal Guilherme d’Estouteville e seus juristas, a própria família enviou uma petição ao papa Calixto III, solicitando a sua reabilitação. Alguns destes artigos merecem ser conhecidos:

– Cauchon odiava Joana porque ela lutara contra os ingleses e procurara levá-la à morte por todos os meios possíveis.

– Ele pedira que ela fosse entregue, primeiro, ao rei da Inglaterra e somente depois à Igreja, e que pagaria qualquer preço por ela.

– Os ingleses temiam Joana e queriam a sua morte.

– Ela era simples, honesta e uma boa cristã.

– O interrogatório fora “difícil e insidioso”, e Joana não o compreendera.

– Joana não teve acessos a meios para defender-se.

– Ela morrera encomendando sua alma a Deus e invocando Jesus, de tal forma que provocou lágrimas em todos os presentes.

Quando finalmente o inquérito teve abertura, foram ouvidas mais de 100 pessoas nas principais cidade em que a Pucelle esteve. O veredicto final, pronunciado pelo arcebispo de Reims, João Jouvenel de Ursins, foi conhecido a 7 de Julho de 1456 e declarava Joana d’Arc totalmente limpa do julgamento de 1431, que estava repleto de fraudes, calúnias, iniqüidade, contradições e erros.

Já no século XIX, em 1869, na fase nacionalista que se seguiu à Revolução Francesa, o bispo de Orléans, Félix Dupanloup, deu início às gestões para obter a canonização da Donzela. Na década de 90, Leão XIII abriu uma investigação nesse sentido. Em 1909, Joana d’Arc foi beatificada e em 1920 canonizada.

A Redenção

Teria Joana sofrido muito? Ela própria, em mensagem mediúnica, que consta na sua biografia por Léon Denis, nos assegura que não, na página 154: “Poderosos fluidos choviam sobre mim! Por outro lado, minha vontade era tão forte que dominava a dor.”

Aliás, toda obra de salvação se realiza por meio do sacrifício, tendo como remate o martírio. Assim foi com Joana d’Arc, assim foi com Jesus Cristo. É para a personalidade dos mártires que se dirigem os pensamentos daqueles que sofrem, suportando grandes provações. São focos de energia e beleza moral ao calor através dos quais se aquecem as almas enregeladas pelo frio das adversidades.

Eis porque a vida de Joana projeta, através dos séculos, uma verdadeira cauda luminosa, esteira de luz que nos atrai para as regiões celestiais. Sua vida é realmente como um singelo reflexo da do Cristo. Como Ele, sofreu a injustiça e a crueldade dos homens. É evidente que Jesus é infinitamente maior, mas a vida da Virgem de Lorena tem um especial toque poético: ela era mulher, e como tal era sensível e terna. Guerreira, teve o dom de pacificar e unir. Até os ingleses, que a imolaram, hoje são os seus mais ardorosos partidários.

Por isso, a partir de agora, tocaremos, à guisa de hipótese, em um assunto extremamente delicado, apoiados na obra de José Fuzeira: “Judas Iscariotes e sua reencarnação como Joana d’Arc”. Reencarnando como Joana, Judas realmente estaria se redimindo de suas faltas e se redimindo perante a si e a Deus.

A princípio, tal idéia é realmente chocante, pois é-nos difícil comparar uma vida tão espetacular e cheia de personalidade como a da Pucelle com a imagem que todo mundo de Judas, conhecido como o traidor. Mas estaremos satisfeitos se, pelo menos, conseguirmos desfazer tal injustiça.

Afinal, o próprio Jesus nos ensinou: “Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Destarte, quem somos nós para criticar ou condenar a atitude de Judas?

Judas realmente cometeu traição, mas amava o seu Mestre e não esperava que os acontecimentos terminassem tão catastroficamente. Extremamente arrependido, ele não viu outra saída senão enforcar-se.

Ademais, saber como encarnou antes o espírito de Allan Kardec, Francisco de Assis ou qualquer outro grande nome da história, acaso diminui suas obras? O mesmo acontece com a Donzela de Orléans. Suas vidas pregressas, quaisquer que tenham sido, não tornam suas obras menores e nem a tornam menos bela e vitoriosa! Portanto, apresentamos tal hipótese à guisa de complementação interessante e exemplificação perfeita da lei de Causa e Efeito, ou Ação e Reação.

Todo espírita sabe que sofremos os males que causamos a outrem, Mesmo porque, a alma pecadora, cedo ou tarde, será afogueada pelo remorso, somente conseguindo ter paz quando resgatar sua falta. Não se trata de punição, mas de reeducação.

Por isso, quando Jesus, pregado na cruz no cimo do Calvário, pediu ao pai: “perdoai-lhes, Senhor, pois não sabem o que fazem”, não excluiu Judas. Todavia, mesmo tendo sido perdoado, é necessário que cada um colha o que plantou. A cada um conforme suas obras.

Após sua morte, Judas encontrou-se no plano espiritual extremamente aflito, abrasado pelo moral do remorso, assim permanecendo por longo tempo. Mas Deus não se esquece de nenhuma criatura e, quando ele já estava pronto, os espíritos evoluídos socorreram-no. Ele ainda teve diversas outras encarnações antes de se tornar Joana d’Arc, pois precisava de tempo para se preparar para as expiações redentoras e, afinal, são quase quinze séculos de diferença.

A ação de Joana no passado foi o início de uma renovação nacional, sob os preceitos de Jesus, que fora o início da renovação espiritual humana. Destaquemos, evidentemente sem o intuito de igualar, algumas das principais semelhanças entre a vida de Jesus Cristo e de Joana d’Arc:

Ambos nasceram em lares humildes. Jesus era filho de um simples carpinteiro e Joana era filha de um camponês.

Jesus, para cumprir a missão que Deus lhe confiara, teve que libertar-se do imenso afeto de sua dedicada mãe para partir em peregrinação. Joana também abandonou seu lar, o convívio e o afeto de seus queridos pais. Ambos não puderam dar-lhes satisfações.

Jesus, ainda criança, discutia e confundia os doutores da lei. Joana, apesar de jovem e analfabeta, mas inspirada pelo Alto, discutiu com os doutores da Igreja romana e também os confundiu com respostas surpreendentes.

Jesus foi perseguido em nome de Jeová. Joana foi perseguida pelos que diziam falar em nome de Deus.

Ambos foram vendidos pelos seus. Jesus previu sua paixão e morte, avisando seus discípulos que seria traído. Na igreja de Compiègne, Joana desabafa aos que lhe eram fiéis: “Bons amigos e queridos filhos, sabei que me traíram e me venderam. Dentro em breve, serei condenada à morte. Orai por mim!”

Jesus foi julgado e condenado pelo Sinédrio, o tribunal sagrado, presidido por Caifás e sem ter nenhum defensor. Joana foi julgada pelo tribunal eclesiástico, presidido pelo bispo de Beauvais, Pedro Cauchon, também sem direito à defesa.

Jesus foi flagelado no Pretório de Pôncio Pilatos. Joana foi flagelada com barbaridade e até tentaram violentá-la, atentando contra seu pudor e castidade.

Jesus baixou à Terra para salvar a Humanidade. Joana baixou à Terra para salvar a França. Abnegados, ambos foram sacrificados por uma causa de ordem coletiva.

Ambos, no momento crucial do martírio, antes de expirar, pediram perdão a Deus pelos seus algozes e supostos inimigos, que de tudo fizeram para sacrificá-los.

Jesus foi abandonado pelos seus compatriotas hebreus e também por alguns dos seus discípulos, além de traído por um apóstolo. Joana foi abandonada pelos próprios franceses e atraiçoada por alguns dos generais que batalharam com ela, sobretudo pelo rei que ela colocara ao trono.

Poderia haver, portanto, maneira melhor para que Judas Iscariotes resgatasse suas dívidas perante a justiça divina e a sua própria consciência, do que reencarnando como Joana d’Arc? Ora, a equivalência dos contrastes morais existentes entre a vida de Judas e a de Joana nos incita a crer que estas duas personalidades são, de fato, a mesma entidade espiritual, a mesma alma em duas encarnações diferentes. Primeiro o crime, depois a expiação e, por fim, a redenção.

Desta forma, o traidor dos tempos idos já é um espírito evoluído, acrisolado pela dor, tendo padecido quase todos os martírios infligidos a Jesus, pois escolheu provas idênticas a fim de alcançar sua redenção.

Por fim, transcreveremos os principais trechos da mensagem do espírito Humberto de Campos, o Irmão X, recebida pelo médium Chico Xavier em 19 de Abril de 1935, descrevendo seu encontro e diálogo com Judas:

“(…) Os espíritos podem vibrar em contacto direto com a história e buscando uma relação íntima com o passado vivo dos Lugares Santos. (…) Os espíritos apreciam, às vezes, não obstante o progresso que já alcançaram, volver atrás, visitando os sítios onde se engrandeceram ou prevaricaram. (…) Judas costuma vir à Terra, nos dias em que se comemora a Paixão de Nosso Senhor, meditando nos seus atos de antanho. (…)

Nas margens caladas do Jordão, não longe talvez do lugar sagrado, onde o Precursor (João Batista) batizou Jesus Cristo, divisei um homem sentado sobre uma pedra. (…)

– Sim! Sou Judas! – respondeu aquele homem triste, enxugando uma lágrima nas dobras de sua longa túnica. – Como o Jeremias das Lamentações, contemplo, às vezes, esta Jerusalém arruinada, meditando nos juízos dos homens transitórios. (…) Ora, eu era um dos apaixonados pelas idéias do Mestre, porém, o meu excessivo zelo pela doutrina fez-me sacrificar o seu fundador. Acima do meu coração eu via a política como única arma com a qual poderia triunfar; e que Jesus não obteria nenhuma vitória com o seu desprendimento pelas riquezas. (…) Planejei então uma revolta surda como se projeta hoje, na Terra, visando a queda de um chefe de Estado. (…) Entregando, pois, o Mestre a Caifás, não julguei que as cousas atingissem um fim tão lamentável; e ralado de remorsos, presumi que o suicídio era a única maneira de me redimir aos seus olhos.

– E chegou a salvar-se pelo arrependimento?

– Não! Não consegui. O remorso é uma força preliminar para os trabalhos reparadores. Depois de minha morte trágica submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus; e as minhas provas culminaram na fogueira inquisitorial, onde, imitando o Mestre, fui traído, vendido e usurpado. (…) Desde esse dia, em que me entreguei, por amor ao Cristo, a todos os tormentos e infâmias que me aviltavam, com resignação e piedade pelos meus verdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentindo na fronte o ósculo de perdão da minha própria consciência. (…) Pessoalmente, já estou saciado de justiça porque já fui absolvido pela minha consciência no tribunal dos suplícios redentores. Quanto ao Divino Mestre, infinita é a sua misericórdia e não só para mim, porque se recebi trinta moedas, vendendo-o aos seus algozes, há muitos séculos Ele está sendo criminosamente vendido no mundo, a grosso e a retalho, por todos os preços, em todos os padrões de ouro amoedado.

– É verdade! – concluí – e os novos negociadores do Cristo não se enforcam depois de vendê-lo.

Judas afastou-se tomando a direção do Santo Sepulcro e eu, confundido nas sombras invisíveis para o mundo, vi que no céu brilhavam algumas estrelas sobre as nuvens pardacentas e tristes, enquanto o Jordão rolava na sua quietude como um lençol de águas mortas procurando um mar morto.”

Humberto de Campos

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Biografia de Allan Kardec Nascido em Lion, a 03 de outubro de 1804, de uma família antiga que se distinguiu na magistratura e na advocacia, Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail) não seguiu essas carreiras. Desde a primeira juventude sentiu-se inclinado ao...

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