Biografia de Humberto de Campos
“Combater sem pesquisar, só é natural nos que não querem tornar conhecida a verdade”. (Humberto de Campos, jornalista)
Por muitos anos, um dos escritores mais lidos do Brasil, Humberto de Campos, à exceção dos espíritas, não é conhecido pelas novas gerações, que, no entanto, dele ouvem falar através de seus pais, que o classificam entre seus autores favoritos, despertando intensa curiosidade em torno de seu nome.
Suas crônicas diárias, publicadas em uma cadeia de jornais – entre eles A Tarde, daqui da Bahia –, emocionaram leitores de Norte a Sul.
O envolvimento dos leitores de Humberto de Campos com o que ele escrevia era tão grande que muitos lhe enviaram cartas, solicitando conselhos e orientações. E ele respondia de maneira impessoal, buscando a essência dos problemas que lhe chegavam, para com isso falar a milhões de pessoas. Consta que na Rua 7 de Abril (em São Paulo), por exemplo, juntava gente para ler a crônica que o Diário de São Paulo afixava na porta de vidro da sede dos Diários Associados, como agora junta defronte a uma loja durante uma disputada partida de futebol. Em entrevista a um jornal paulista, Humberto de Campos Filho, advogado e jornalista, comparou o sucesso das crônicas de seu pai ao capítulo de telenovela, hoje.
Para Humberto de Campos Filho, no entanto, as duas alavancas na aceitação de seu pai entre os leitores são justamente a perenidade de seus textos – “válidos em sua época, hoje, daqui a 50 anos” –, e o estilo fácil, sem preciosismo, discorrendo sobre temas atávicos: “Na coleção da Editora Opus, tive o prazer de fazer a biografia de meu pai, no primeiro volume. Na intimidade, ele estava longe da personalidade que o público venerou, mitificou. Era um sujeito introspectivo, soturno mesmo, que de vez em quando nos surpreendia com uma explosão de gargalhadas e humor, extravasando toda verve que punha no papel. Raros momentos, inesquecíveis”.
Da poesia ao conto – reconhecido por seu filho como “um gênero no qual ele foi magistral” –, Humberto de Campos também produziu ensaios, crítica literária e memoriais.
Filho de Joaquim Gomes de Farias Veras, pequeno comerciante, e Ana de Campos Veras, provecta professora pública, que lhe sobreviveu por vários anos. Humberto de Campos Veras, jornalista, político, crítico, cronista, contista, poeta, biógrafo e memorialista, nasceu em Miritiba, hoje Humberto de Campos (Maranhão), em 25 de outubro de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro (então Distrito Federal e Capital da República), em 5 de dezembro de 1934. Eleito em 30 de outubro de 1919 para a Cadeira n. 20, sucedendo a Emílio de Menezes, foi recebido em 8 de maio de 1920, pelo acadêmico Luís Murat.
A perda de seu pai aos seis anos, marcou a sua infância pelo sofrimento, resultado das privações, circunstância que, certamente, muito contribuiu para desenvolver-lhe a inteligência e aprimorar-lhe as qualidades morais.
“A nossa mudança de Miritiba, onde meu pai era tudo e não nos faltava nada, para Parnaíba, onde éramos nada e nos faltava tudo, começou a influir, muito cedo, na formação do meu caráter. Eu reconhecia intimamente a inferioridade da minha condição”.
Com a pobreza que se abateu sobre sua família, sua mãe viu-se obrigada a empregá-lo inicialmente, em uma casa comercial de miudezas, de um tio. Posteriormente, como aprendiz de alfaiate. O futuro acadêmico passou a servir de criado para os mais antigos da casa, tendo algumas vezes realizado o serviço de entregador de roupas. Depois foi auxiliar de balconista e de tipógrafo, nas oficinas de “O Comercial”, em Parnaíba, Piauí, para onde se tinha mudado.
Aos 14 anos, parte para São Luís do Maranhão, onde se emprega na “Casa Transmontana”, tentando melhorar de vida. Exerceu funções as mais humildes, inclusive a de lavador de garrafas, na qual trabalhava na noite da virada do século. Segue, três anos depois, para Belém do Pará. Luta muito, chega a passar fome, mas consegue finalmente empregar-se e vai trabalhar nos seringais amazônicos, onde adquire febre palustre. Retornando a Belém do Pará, começa a colaborar na imprensa, denunciando as injustiças sofridas pelos miseráveis seringueiros, chamando a atenção do público e das autoridades.
Começa, para ele, então, uma nova fase, onde haveria de alçar vôo condoreiro aos galarins do jornalismo e da política. Fez-se, a curto prazo, secretário da Prefeitura e redator-chefe da “Província do Pará”, o maior jornal do estado. Lança, em 1910, a coletânea de versos Poeira, primeira série. Em 1912, após sérios acontecimentos na política local, que terminam com um levante a mão armada, Antônio Lemos, proprietário do jornal, prefeito de Belém e seu protetor, cai em desgraça e Humberto passa a sofrer sérias ameaças, precisando refugiar-se no Arsenal da Marinha, de Belém, daí fugindo para o Rio de Janeiro, onde procura Coelho Neto, de quem era admirador e se tornara amigo até o fim da vida. Vai trabalhar na “Gazeta de Notícias”, passando depois para “O Imparcial”, na fase em que ali trabalhava um grupo de escritores ilustres, como redatores ou colaboradores, entre os quais Goulart de Andrade, Rui Barbosa, José Veríssimo, Júlia Lopes de Almeida, Salvador de Mendonça e Vicente de Carvalho. João Ribeiro era o crítico literário. Ali também José Eduardo de Macedo Soares renovava a agitação da segunda campanha civilista. Humberto de Campos ingressou no movimento. Logo depois o jornalista militante deu lugar ao intelectual. Fez essa transição com o pseudônimo de “Conselheiro X.X.” com que assinava contos e crônicas, hoje reunidos em vários volumes, fazendo todo o Brasil sorrir, tendo início, assim, a sua imensa popularidade. Assinava também com os pseudônimos Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Em 1923, substituiu Múcio Leão na coluna de crítica do Correio da Manhã.
Em 1918, publica o seu primeiro livro de crônicas, “Da Seara de Booz” e, no ano seguinte, um livro de contos humorísticos, “Vale de Josaphat”.
O renome, que rapidamente alcançou nos meios literários, granjeou-lhe o sonhado acesso à Academia Brasileira de Letras, aos 33 anos de idade, eleito em 30 de outubro de 1919 para a Cadeira n. 20, sucedendo a Emílio de Menezes, foi recebido em 8 de maio de 1920, pelo acadêmico Luís Morton Barreto Murat (Jornalista e poeta, RJ, 04/05/1861 – 03/07/1920).
Em 1920, já acadêmico, foi eleito deputado federal pelo Maranhão. A revolução de 1930 dissolveu o Congresso e ele perdeu seu mandato. O presidente Getúlio Vargas, que era grande admirador do talento de Humberto de Campos, procurou minorar as dificuldades do autor de Poeira, dando-lhe os lugares de inspetor de ensino e de diretor da Casa de Rui Barbosa. Em 1923, substituiu Múcio Leão na coluna de crítica do Correio da Manhã.
Em 1933 publicou o livro que se tornou o mais célebre de sua obra, Memórias, crônica dos começos de sua vida. O seu Diário secreto, de publicação póstuma, provocou grande escândalo pela irreverência e malícia em relação a contemporâneos.
“Autodidata, grande ledor, acumulou vasta erudição, que usava nas crônicas. Poeta neoparnasiano, fez parte do grupo da fase de transição anterior a 1922. Poeira é um dos últimos livros da escola parnasiana no Brasil. Fez também crítica literária de natureza impressionista. É uma crítica de afirmações pessoais, que não se fundamentam em critérios e, por isso, não podem ser endossadas nem verificadas. Na crônica, seu recurso mais corrente era tomar conhecidas narrativas e dar-lhes uma forma nova, fazendo comentários e digressões sobre o assunto, citando anedotas e tecendo comparações com outras obras”, informa a ABL, hoje. Todavia, segundo o crítico Mário Pontes, nenhum autor brasileiro foi tão popular em vida quanto Humberto de Campos. Depois do seu desencarne, o nível dessa popularidade levou uns 10 anos para baixar, voltou a subir, quando a revista “O Cruzeiro” pôs-se a publicar em fascículos o “Diário Secreto” que o escritor havia confiado à Academia Brasileira de Letras, com a recomendação de que só fosse revelado em 1950. Finda a maré do Diário, Humberto saiu novamente de foco, até transformar-se em um quase desconhecido para as gerações atuais.
Parnasiano em poesia, um tanto precioso no conto, Humberto de Campos era quase sempre simples e fluente quando escrevia para jornal. Especialmente se tratava de assuntos do cotidiano.
Fruto de uma grande capacidade de observação, as crônicas atraíam pelo calor humano que as envolvia (salvo as picarescas, que assinava com o pseudônimo de Conselheiro X.X.). A reação dos leitores era, não raro, fazer filas diante das redações dos jornais que as publicavam em várias cidades do País e escrever dezenas de cartas diárias ao autor, não só para aplaudi-lo, mas também para aconselhar-se com ele.
“Por trás dos textos de Humberto de Campos – homem taciturno e sofrido, como relembra seu filho – havia quase sempre um pedaço de experiência pessoal fazendo ponte com os sentimentos do leitor. Menino pobre de uma das cidades mais pobres do País, no litoral maranhense, teve de abrir caminho por si mesmo. Na Amazônia, à luz de um lampião, copiou um dicionário em papel de embrulho, porque não tinha com que comprar um exemplar.
Morreu, numa mesa de operação, pobre, deixando de herança apenas uma extensa obra (40 volumes), mas muito sujeita à erosão do tempo, pois não teve tempo para produzir os textos com que sonhava (romances) e que a tornariam mais sólida” – escreveu Mário Pontes.
Mas, declara Almir Oliveira, “ao nosso ver, com a criação do Conselheiro X.X., Humberto desejou, simultaneamente, projetar-se e divertir. Soube explorar, com habilidade e graça, os fatos mundanos. Abandonou-o quando achou necessário deixá-lo, mas já estava, neste momento, conhecido e consagrado nacionalmente. Conceituado como poeta e anedotista, tinha um público que lhe era fiel e seguiria os seus passos, quaisquer que fossem os caminhos trilhados”. Sabia disso e o confessa no Diário Secreto: “Evidentemente, eu tenho uma vantagem, como escritor. E essa vantagem consiste nisso: eu tenho um público”.
Em 1934, Humberto de Campos, viajou ao Prata em missão de intercâmbio cultural, como representante do governo brasileiro. Aproveita sua passagem por Buenos Aires, Argentina, para fazer uma consulta médica com famoso especialista, pois já sofre, e muito, da hipófise, além de outros males.
Dia a dia suas enfermidades se agravam. De todo o Brasil lhe chegam cartas, levando esperanças, trazendo conforto, dando e pedindo conselhos os mais diversos. Enfraquecido pela desventura de sua condição física, nunca, contudo, desanimado, Humberto busca fazer dos seus sofrimentos um bálsamo para outros sofredores. Seu estilo torna-se límpido, puro, coloquial. Produz, então, as suas mais belas crônicas; dá, a todos os infelizes, os melhores conselhos, as maiores esperanças, despertando-lhes, assim, pela palavra e pelo exemplo, a alegria pela vida.
Na triste manhã de 5 de dezembro de 1934, Humberto de Campos, desprende-se da armadura de carne, retornando à verdadeira vida.
HUMBERTO DE CAMPOS – ESPÍRITO
“A sepultura não é a porta do céu, nem a passagem para o inferno. É o bangalô subterrâneo das células cansadas – silencioso depósito do vestuário apodrecido.
O homem não encontrará na morte mais do que vida e, no misterioso umbral, a grande surpresa é o encontro de si mesmo.
Falar, pois, de homens e espíritos, como se fossem expoentes de duas raças antagônicas, vale por falsa concepção das realidades eternas.
É necessário, portanto, recordar que a existência humana é oportunidade preciosa no aprendizado para a vida eterna”.
(Reportagens de Além-Túmulo, 1943.)
Pouco tempo depois de desencarnado, Humberto de Campos começou a manifestar-se, com aquela mesma pujança de estilo, que o caracterizava, através do famoso médium Francisco Cândido Xavier, então residente em Pedro Leopoldo, Minas Gerais.
Tanto assim é que, a 26 de junho de 1937, portanto dois anos e meio após o decesso, o Espírito Humberto de Campos ultimava a transmissão, através do mencionado sensitivo, de sua primeira obra, intitulada “Crônicas de Além-Túmulo”, da qual já foram feitas inúmeras edições.
Foi, evidentemente, autêntica clarinada, conclamando cépticos, descrentes e negativistas a meditarem nas realidades da vida eterna e da comunicabilidade dos Espíritos. Constituiu, também, a obra, um trabalho precursor, preparatório do advento da seguinte, pelo mesmo instrumento medianímico, “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, igualmente editada pela Federação Espírita Brasileira, em 1938.
Vieram, em seguimento: “Novas Mensagens”, em 1940; “Boa Nova”, em 1941; e “Reportagens de Além-Túmulo”, em 1943.
Verifica-se, por essa época, a ocorrência de ruidoso processo, no Rio de Janeiro, em que se pretendia, por intermédio de ação própria, obter que fosse declarado, por sentença, “se a obra literária era ou não do Espírito Humberto de Campos”.
A extensa documentação contestatória, enfeixada em volume de 408 páginas, saiu a lume em 1944 (Timponi, Miguel. “A Psicografia ante os Tribunais”, FEB), sendo decidido haver carência de ação, o que foi confirmado na Superior Instância.
A partir dessa época, não mais foram transmitidas obras sob a chancela de Humberto de Campos, evidentemente com o propósito de evitar contendas.
Começaram, porém, a surgir obras com aquele mesmo e inconfundível estilo, tão apreciado por seus leitores, autenticadas, simplesmente, por Irmão X, versão evangelizada do “Conselheiro X.X.”.
A partir daí, foram dadas à publicidade, pela editora da Federação Espírita Brasileira: “Lázaro Redivivo”, 1945; “Luz Acima”, 1948; “Pontos e Contos”, 1951; e “Contos e Apólogos”, 1958.
Nessa época, o médium transferiu residência para Uberaba, no mesmo Estado Minas Gerais, onde foram recebidas mais as seguintes obras, todas assinadas por Irmão X e publicadas pela FEB: “Contos desta e doutra Vida”, 1964; “Cartas e Crônicas”, 1966; e “Estante da Vida”, 1969.
Todas as obras citadas dispensam quaisquer comentários quanto à preferência dos leitores, por sua vez, eloqüente atestado do valor evangélico e literário das produções.